quarta-feira, 14 de maio de 2008

UM OLHAR SOBRE O CENTRO por Flávio Rezende*


O atraso de um amigo num compromisso fez que com passasse algumas horas vagando pelo centro da cidade. Observando o mundo por avenidas, ruas e becos, captamos uma série de aromas, cenas, sons e visuais, que causam especial atenção a uma mente atenta e observadora.

Tenho viajado bastante e gosto sempre de freqüentar os centros das cidades alheias. Uma hora mal combinada, fez com que também visitasse o da minha. Os centros são praticamente iguais. Os prédios geralmente são antigos, mal cuidados e freqüentados por uma multidão que caminha às vezes resoluta, decidida, noutras trôpega, bêbada, desencaminhada.

Figuras estranhas amam os centros e fazem deles suas verdadeiras moradas. Instalados em becos repletos de lojas com santos e adereços de religiões diversas, ficam sentados em bares e lanchonetes de esquisita aparência, como que esperando um julgamento final para seus pensamentos ambíguos, sempre cercados de louras oxigenadas de olhares lânguidos e postura democrática.

Minha curta passagem pelo centro levou-me ao mundo dos pastéis e seus óleos de forte odor, as lojas de produtos populares com apelos de venda que vão do palhaço ao som alto, as jovens distribuindo propaganda de empréstimo, os pedintes com suas doenças incuráveis e de longa data, os estudantes com seus livros no peito e conversas animadas, além dos rostos, preocupados, esperançosos, cansados, lívidos, felizes, reflexos da vida em geral, mas que ficam mais explícitos, quando desfilam pelo centro, parecendo que ali é a moldura de muitas vidas amargas.

Não percebi muita alegria e satisfação pessoal no centro. O clima que captei foi de amargor e sofrimento. Sabemos que o brasileiro é pobre, que a grande maioria da população sofre e tem poucos recursos, mas sabemos também que apesar de tudo, existe uma alegria na entrelinha da vida verde e amarela, foi isso que tentei identificar no centro, mas confesso que não consegui. E não estava chovendo, não era segunda-feira, coisas que deixam as pessoas mais para baixo.

Naqueles passos que dei no centro, bailando por entre corpos brasileiros, senti certa apatia no ar. Talvez seja o momento em que esteja passando, saindo de certa desilusão, ainda varrendo para fora de mim, algumas lágrimas de uma ruptura inesperada.

Tendemos a observar a vida a partir de nossos olhos interiores. Geralmente vejo alegria e beleza em tudo. Hoje não consegui captar a graça do centro, pois sei que deve ter. Pelo contrário, caminhando e ouvindo música em meu inseparável MP3, levando debaixo do braço o meu próximo livro "O Sonhador", mergulhei num mar de tristeza e de sofrimento.

Preciso urgentemente caminhar por entre a natureza e observar os animais. Os seres humanos estão me decepcionando um pouco e é hora de rever meus passarinhos, as amigas lagartixas, o bailar das palhas dos coqueiros, o ir e vir das ondas na beira do mar.

Perdão leitores se hoje estou amargo, mas não posso esconder o que vejo, mas, certamente, saberei mudar o que sinto.


* É escritor e jornalista em Natal/RN (escritorflaviorezende@gmail.com)

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