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segunda-feira, 14 de julho de 2008
TEXTO DA SEGUNDA, EDIÇÃO DO JORNALISTA, ESCRITOR CEFAS CARVALHO
Cara(o) amiga(o),
Bom dia! Segue abaixo o tradicional Texto da Segunda. Hoje, envio o seguinte:
1 - Envio conto de minha autoria, "Lana", já postado neste espaço, mas que repito por ter sido selecionado para a coletânea "Entrelinhas", publicado pela editora paulista Andross. Para adquirir o livro (com 80 autores e 280 páginas) basta entrar em contato comigo. Para ler mais textos, meus, cliqueem www.cefascarvalho.blogspot.com
2 - "Fícus-benjamins", conto do ótimo Clauder Arcanjo, autor de "Licânia".
3 - A crônica "Picolé de Coco", do jornalista e escritor Leonardo Sodré (www.becopress.blogspot.com)
4 - Enviado pela amiga Clotildde Tavares, crônica do mestre Bráulio Tavares: "A monocultura sexual".
5 - Conto "Meia-noite", da escritora, dramaturga e atriz Cláudia Magalhães. Mais textos dela no www.teatroclaudiamagalhaes.blogspot.com
É isso. Boa leitura e fique em contato.
Lana
Cefas Carvalho
Chamava-se Lana, como na canção de Roy Orbison. Ela era bela e triste, como todas as canções do Roy. Conheci-a em um bar, lugar sagrado onde geralmente conhecemos as pessoas importantes que marcam a nossa vida. É tolice tentar descrevê-la. Bem sei que não tinha uma beleza convencional, tampouco era dona de imensos olhos azuis, como nos clichês românticos. Era bela e normal. Estava sozinha na mesa, iluminando o local com seus olhos melancólicos e oblíquos, como diria Machado de Assis de sua Capitu. Ganhei coragem para abordá-la e me convidei para sentar à sua mesa. Ela concordou, disse como se chamava – Lana... – e conversamos sobre tudo e sobre nada... Compartilhamos nossas tristezas, rimos das nossas parcas alegrias nesta vida, descobrimos que ambos estávamos sozinhos e à deriva, tanto naquela noite como na própria vida, e por fim convidei-a para passar a noite no meu apartamento. Compramos uma garrafa de vinho tinto barato, pegamos um táxi e nos trancamos em nosso pequeno universo. Foi uma noite inesquecível, com Lana em meus braços...daquelas noites que não deveriam terminar nunca. Terminados os jogos amorosos, cogitei pedir seu número de telefone e perguntar onde ela morava, e talvez jurar aos seus pés que queria vê-la mais mil vezes, mas considerei que quando acordássemos, pela manhã, eu faria tudo isso e muito mais. Dormi o sono dos justos e dos exaustos de tanto amar. Acordei com uma leve ressaca por volta das onze e quando dei por mim, percebi que Lana não estava mais no quarto. Não estava mais no apartamento, havia ido embora. Dando uma geral pela casa, percebi que tudo estava em ordem, ela não levara nada, mas também não deixara nada. Talvez só ainda mais tristeza dentro de mim. Recordei, mais melancólico do que nunca da canção de Roy Orbison: Oh beautiful Lana...
Fícus-benjamins
Clauder Arcanjo
Antes de entrar, era um domingo, avistei-a serena. Ao canto da calçada,
sem atrapalhar a passagem dos pedestres, e ofertando a sua sombra
encorpada (bendita, neste nosso mundo tão tomado pelo calor e pela pressa)
e o seu verde escuro. Sempre quando a olhava, vinha-me à lembrança os
benjamins de Licânia. É claro que os da minha terra são quase seculares,
mas não é porque alguém é novo que não é digno de nota, nem de crônica.
Ela detinha um porte mais fechado; sempre mais buliçosa, rumo aos céus, do
que a sua irmã plantada na minha calçada. Não sei se a mão de quem a
plantou (dizem que, com plantas, a mão do jardineiro tem mais peso sobre a
saúde dos vegetais do que mesmo o solo, a água e o ar) era mais sadia do
que a minha. O que sei, e disso não posso fugir, é que você demonstrava
mais saúde, um modo de viver mais radiante.
Ao chegar, de pronto, lembro-me bem, ainda dentro do pequeno vaso, havia
em seus primeiros brotos a seiva viva da força da terra. Nunca a encontrei
murcha, registre-se. Até constatava que você era menos aguada do que o meu
fícus (diversas vezes, levando água para a minha plantinha que lutava
contra a morte na frente de casa, despejava os canecos restantes nas suas
raízes e folhas, e você agradecia com um farfalhar trigueiro).
Comprei adubos, contratei podadores conceituados, procedi a mudanças no
horário de regar a minha... nada, nada. Ela continuava borocoxô, e você
divina. Ninguém rivalizava com a sua pujança, concluí. O que é da árvore,
o vento não come; improvisei uma paráfrase a um conhecido dito popular.
Certo dia até cheguei a pensar que vocês eram de espécies diferentes. Não
se justificava, tecnicamente falando, tanta disparidade. Em estatura, em
copa, em brilho, e em ramaria. No entanto, um agrônomo amigo evidenciou,
cientificamente, com fotos e nome em latim, a irmandade incontestável de
vocês. Capitulei, a questão devia ser de foro íntimo.
Não nego que, numa tarde longínqua, parti para um diálogo às claras com a
ingrata que, apesar de todo o meu zelo, bem como dos auxiliares — Edílson,
Ângela, Eva, e, eventualmente, seu Ciro —, permanecia esquálida, com uma
copa chinfrim, numa folhagem mais afeita à vítima de uma seca inclemente.
Não obtive sucesso, até acho que o tiro saiu pela culatra. No dia
seguinte, notei, na outra, um riso verde-esperança, e, na minha, sinais de
uma árvore deprimida.
“Como deprimida?”; você há de me indagar, caro leitor. Sim, deprimida.
Você nunca viu um vegetal em crise de depressão? Pois existem, sim. São
tristonhas, seus galhos não balouçam ufanos, e sim se deixam ser
balançados, de uma forma desidiosa; as raízes mostram claros sinais de
rugas, apesar da pouca idade, o verde descamba para o desbotado, as folhas
caem a olhos vistos, e o alto da copa apresenta sintomas evidentes de quem
quer ir ao chão e não aos céus.
Pois bem, a minha, depois do referido monólogo, via-se em
‘papos-de-depressão’, de funda depressão. E você, árvore vizinha, com
inequívocos indícios de quem, cada vez mais, estava de bem com a vida. Se
não me engano, encontrei-a mais esbelta e maior, com uma cabeleira digna
de registro. Nesse exato instante, ao invés de um carro sob os seus
galhos, dois. Eu sei que eram dois fuscas, mas eram dois. A minha,
desolada, não ofertava sombra suficiente sequer para um velocípede.
É hora de voltar ao domingo, foi lá que iniciei esta crônica, chega de
tanta digressão. Pois bem, entrei, meti-me na leitura de Guimarães Rosa, e
perdi a noção do tempo. Altas horas, recolhi-me. Ao fechar portas e
janelas, relâmpagos singravam o horizonte. “Vai cair um pau d’água!...”;
pensei.
Mal fechei a boca, um trovão reboou próximo. Benzi-me, redobrei a reza, e
enfiei-me na cama. Em minutos, a cidade estava sob forte aguaceiro. Como
há tempo não assistia. Uma seqüência de relâmpagos e trovões de
amedrontar. Meu Mateus acordou-me, e pediu-me licença para dormir com a
gente. “Estou com medo, pai!”; proferiu, de olhos arregalados. “Eu também,
filho!”; respondi, de olhos mais arregalados ainda. Dois medrosos sobre o
mesmo leito. A hereditariedade do medo. Não incluo a Biscuí nessa
contabilidade de aflitos, visto que ela respondia às trovejadas com o
ronco dos inocentes. Em minutos, pai e filho, irmanados no pânico. Não sei
quem tremia mais, isso pouco importa. O assunto desta crônica é uma
árvore, não o medo do cronista, e do filho do cronista.
Graças a Deus que, alta madrugada, a chuvarada aquietou-se.
Como depois da tempestade vem a bonança, o dia nasceu, e o sol surgiu.
Levantei, abri janelas e portas para saudar a manhã, e recebi a terrível
notícia. “Seu Clauder, a árvore da vizinha foi ao chão!”
Confesso que, de início, não acreditei. Abri o portão e... Sobre a calçada
e o asfalto da rua, jazia o corpo da outrora rainha da calçada.
Aproximei-me e levei as mãos às suas folhas, já um tanto murchas. As
raízes, expostas, pareciam os dedos de um esqueleto ainda com os sinais da
dor.
Um sentimento de pesar me assomou ao peito. Tanta energia posta ao chão!
Tanta vitalidade posta abaixo! Uma hora depois, uma serra elétrica roncava
sobre o seu tronco, esgarçando os seus membros, a triturar a ramaria... Ao
cortá-la, uma seiva abundante banhou a lâmina assassina. “Eutanásia
vegetal!...”; concluí. Presenciei a dor de uma árvore no seu último
suspiro. O mundo pedia passagem, um simples benjamim não poderia obstar os
compromissos da vida.
Dei as costas, medo de deixar escapar uma lágrima, e voltei para casa. Com
pouco, seus restos mortais eram removidos para o lixão. Viraria adubo,
quem sabe. Antes de entrar, pus os olhos na minha pequena árvore. Notei
que seus galhos estavam mais ativos, um incomum brilho de contentamento em
seu raquítico tronco. Existirá inveja, e vingança, até mesmo entre os
vegetais?
Picolé de coco
Leonardo Sodré
Houve um tempo em que eu, menino gordinho e sem nenhuma maldade, era uma espécie de referência na minha casa. Filho primeiro de um casal que havia vindo do interior da Paraíba nos anos 1950 era tratado como um troféu. Recebia todas das benesses da idade, o que incluía copos de alumínio com picolés de coco que minha mãe me servia ao entardecer daqueles tempos da rua Manoel Dantas, em Petrópolis.
A gente se sentava no muro alto da casa da esquina da rua Ana Néri, onde morávamos, para esperar o meu pai ao entardecer. Era difícil vislumbra-lo nos finais de tarde, vindo da direção da avenida Deodoro, a pé. Ele era boêmio. Não costumava chegar cedo da noite, mas sim, cedo do dia. Entretanto, vez por outra, digamos, lotericamente, ele vinha. Era uma alegria! Foram poucas vezes naquele tempo, confesso. Mas, quando ele surgia com aquele paletó de linho branco, todo amassado, era como um presente. Eu torcia para que aquele milagre fosse diário. Nunca foi, mas o que foi, foi bom.
O picolé abundante de coco era o mote para irmos esperar papai. Eu devia ter uns cinco anos de idade. Mamãe, 24. Tão solitária como as noites que avizinhavam os seus dias. Linda e resignada; conhecia a boemia pela mão de Omega Sodré, meu avô. Sabia que a espera nunca poderia ser concretizada totalmente. Talvez por isso gostasse tanto, como até agora de um saguão de aeroporto: pode atrasar, mas alguém, vai chegar. Quanto a mim, estava na minha inocência saciado pelo picolé de coco. Tão gostoso, que duvido que alguém fizesse um melhor do que a minha mãe. Hoje, sei que aquele capricho não era para mim: era para o meu pai.
Era um paraíso desejado. Uma vontade danada de que ele estivesse ao seu lado todas as noites. Mas, ele nunca estava.
Hoje, passado quase cinco décadas, vejo-a ainda esperando. Minha mãe nunca deixou de esperar. Às vezes espera por mim, outras vezes pelos netos. Às vezes mostra um semblante triste que revela aquela mesma solidão que viveu quando era uma jovem senhora, numa cidade desconhecida. Mamãe nunca deixou de esperar. Ela conhece a solidão como ninguém, talvez até academicamente, se houvesse academicismo para mensurar a solidão. Mas ela é poética e dribla a morte com a suavidade da música, com alegria e uma vontade tão grande viver, que inimaginável vê-la um dia morrer.
E, continua a fazer deliciosos picolés de coco.
A monocultura sexual
Braúlio Tavares
As letras do forró eletrônico não me escandalizam. Posso fazer (e já fiz) poemas que deixariam essa rapaziada com o rosto enrubescido. São uns amadores. A crítica que faço à música deles, portanto, não é uma crítica moralista de quem se escandaliza com versos de safadeza. Pelo contrário! O verso e o romance de safadeza são uma nobre arte. Olhem aqui na minha estante, e verão de Henry Miller a Aretino, do Marquês de Sade a Carlos Zéfiro, e de Bocage aos romances em versos que Ariano Suassuna, em seu estudo dos ciclos do cordel, classifica como “folhetos de safadeza e putaria”.
Essas coisas fazem parte da cultura, companheiros. Sempre fizeram e sempre o farão. O problema da pornografia é quando ela passa a ser usada sistematicamente, como uma monocultura arrasadora. A pornografia pode virar algo como a cana-de-açúcar ou a soja, que precisam viabilizar lucros cada vez mais rápidos, mesmo que o preço seja a destruição de todas as outras culturas em volta. A pornografia tem seu lugar e sua função. Ela se transforma num problema quando vira uma indústria tão lucrativa que extingue tudo que há em redor. Uma coisa é o forró malicioso, feito por um cara que teve uma boa idéia, uma idéia que admite uma dupla leitura com sentido erótico, e faz uma música com ela. Uma música que, no CD, vem ladeada por outra que fala em sertão, outra de sátira política, outra de amor, outra de descrição da vida urbana, e assim por diante. É o que vemos nos discos dos grandes forrozeiros. Escutem o Trio Nordestino, Elino Julião, Maciel Melo, Biliu de Campina, Flávio José. Todos fazem, no meio de um repertório variado, que cobre todas as facetas da vida humana, músicas cujo tema é o sexo, a sedução, o corpo feminino, o xamego entre homem e mulher. É uma das coisas boas da vida, porque não falar dela – com humor, com graça, com uma piscada de olho para as meninas? Todo mundo gosta.
O que sou contra é esse samba-de-uma-nota só mórbido, doentio: safadeza, safadeza, safadeza... Também seria contra um movimento musical que falasse unicamente de futebol, futebol, futebol. Ou uma escola literária que quisesse impor como único tema a filosofia, filosofia, filosofia. Ou um cinema que se limitasse a repisar histórias sobre o sertão, sertão, sertão. Tudo demais é veneno. Nada tenho contra a pornografia como gênero, mas sou contra a pornografia (ou qualquer outra coisa) como tema único, repisado de forma incessante. Sou contra a canção pornografia como monocultura, repetição obsessiva, com o único objetivo de esgotar o mais depressa possível um mercado cheio de gente ingênua. Depois de exaurido esse mercado, os espertalhões (que não são do ramo, não são do forró) passarão adiante. Irão fazer música evangélica ou jingles de campanhas políticas. E deixarão atrás de si uma geração de jovens abobalhados, incapazes de entender uma música se ela não falar da única coisa que eles aprenderam a ouvir.
Meia-noite
Cláudia Magalhães
Meia-noite. Desde que você partiu levando o Sol, é sempre meia-noite. Todos os dias, na beira do abismo, entre a carne e a sombra, como os poetas, os bêbados, os loucos, eu te procuro, amor. Você nunca saiu do meu pensamento...
Quantas lágrimas... Quanta dor...
Quando você foi embora, amaldiçoei a vida e a Deus. Em desespero, ele arrancou a minha língua, mas não calou os meus gritos. Sem suportar o peso da saudade, essa maldita ferida do amor, o meu coração parou de bater. Parado em minhas veias, o meu sangue, louco, fazendo-se de tinta, escorre pelos meus dedos e reinventa a vida sobre o papel. Nessa batalha contra a morte, busco nas palavras alguma idéia que acalme o meu medo, quase insuportável, de morrer. E escrevendo eu te reencontro, amor. Brincando de ser Deus, crio um mundo onde você não é capaz de me dar adeus, de ir embora...
Nesse mundo de milagres, não existe o certo, nem o errado. Encharcado de sangue, suor, saliva e vida, eu te faço meu herói. Queimo o teu corpo. Em seguida, mergulho as tuas carnes em minhas águas profundas, até você morrer de amor...
Morrer, ressuscitar e, novamente, me ver chorar... Chorar pelo sexo como faz toda mulher diante do amor...
Entre o mundo definido e o indefinido, eu te perco e te encontro, sob o comando da voz louca do meu cérebro que, sem juízo, entrega-se com violência ao que me resta: escrever, escrever, escrever...
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