segunda-feira, 28 de julho de 2008

TEXTO DA SEGUNDA 28/07 EDIÇÃO DO POETA ESCRITOR CEFAS CARVALHO

Cara(o) amiga(o),
Bom dia. Eis na sua caixa de entrada mais um Texto da Segunda, a miscelânea de contos,cr??nicas,poesias e et ceteras que mando toda segunda-feira para você. Hoje, envio o seguinte:

1 - Conto de minha autoria: "O amor é um pássaro rebelde".
2 - "Herança". Conto do jornalista Leonardo Sodré.
3 - Miniconto do produtor cultural José Correia Torres neto: "Boneca".
4 - "Pais e filhos". Ótima cr??nica do jornalista Sandro Fortunato.

É isso. Boa leitura e boa semana.








O amor é um pássaro rebelde




Cefas Carvalho



Era tão simples. Bastava pedir perdã o. Eu sabia que ela iria me perdoar. Bastava um telefonema, portanto. Ou mandar um buquê de rosas com um car tão de desculpas. Ela já havia me perdoado antes, como eu a ela. Desde o dia em que nos conhecemos, em uma festa, apresentados por uma amiga em comum. Eu jamais vira uma mulher com os olhos tão brilhantes, como mais tarde confessei. Ela assinalou que seus olhos brilhavam por minha causa. Naquela noite, dançamos muito, e em mais de uma oportunidade tive de pedir desculpas quando pisei em seu pé, mau dançarino que sempre fui, o que gerou muitas risadas. Horas mais tarde, já na cama, no porto seguro de meu apartamento, ela me pediu desculpas por ter pensado em pedir um táxi e sair às pressas, como quem foge. Estava feliz e sentia dificuldade em administrar a própria felicidade, confessou. Com o perdão de lado a lado, iniciamos nosso romance, amalgamando o mais terno dos carinhos com o fogo da paixão. Ela pediu em uma tarde chuvosa, enquanto passeávamos em u m parque, que eu definisse o amor. O amor é um pássaro rebelde, respondi. Ela sorriu, sabia que era um trech o da ópera Carmem. Gostava de ópera, como de música, como de literatura, teatro, poesia e comida japonesa, como eu. Cuidado, pois os pássaros rebeldes não suportam ficar na gaiola e podem morrer nas grades, tentando sair dela, sorriu. Respondi que, da gaiola onde eu estava, jamais tentaria sair. E era verdade. Contudo, mesmo dentro da gaiola, dois pássaros rebeldes bem poderiam, mesmo sem querer, se ferir. Em alguns momentos fui eu quem a feriu, exaltado diante de tanto sentimento. Outras vezes, foi ela quem me agulhou, desconcertada com a profusão do mesmo sentimento. Ambos pedimos perdão um ao outro e a paz voltava a reinar em nosso castelo feudal de amor, onde costumeiramente levantávamos uma pont e levadiça para nos protegermos dos falsos amigos, do mau olhado, das leviandades, inimigos implacáveis do amor. Desta forma, o tempo foi passando e nosso am or, tal como um pássaro rebelde, perseverava, mas se debatendo nas grades da gaiola. Alternamos planos - ter f ilhos, viajar para os lugares dos nossos sonhos - com os fantasmas do rompimento. Chorei e gerei lágrimas. Até que em uma noite quente como o inferno, ela perguntou se eu a amava. Respondi que sim, mas com uma distração fatal, posto que minha mente vagueava em idéias diversas e meu coração estava pesado, graças a uma discussão tola na noite anterior. Diante da minha resposta ela nada falou. Foi para o quarto, leu um livro e adormeceu. Rabisquei em um papel minhas malditas idéias, tomei um copo de leite quente e fui dormir ao seu lado. Religiosamente, estivesse ela dormindo ou acordada, eu a beijava no rosto, à guisa de boa noite. Mesmo dormindo, ela ensaiava um meio sorriso quando eu a beijava. Naqu ela noite desgraçada, por sono ou negligência, não a beijei. Quando acordei, na manhã seguinte, ela não estava na cama. Nem no quarto ou em qualquer lug ar na casa. Suas roupas não estavam no armário, perto das minhas. Encontrei na mesa um bilhete, escrito em let ra nervosa, onde ela explicava que percebera que eu não a amava mais. E que não suportaria mais viver comigo sem ter a certeza do meu amor. Pensei em ligar imediatamente para seu celular, ou para a casa da sua mãe, mas, por alguma razão, não fiz nem um nem outro. Não tenho nada que pedir perdão, pensei comigo mesmo e voltei a dormir. Horas depois, ao acordar novamente, a dor me acertou em cheio, como um soco. Era tão simples, bastava pedir perdão, como das outras vezes. Mas, o orgulho era um pássaro tão rebelde quanto o amor, de maneira que fiquei me jogando nas paredes da minha gaiola imaginária até me decidir por procurá-la e pedir perdão. Seu celular estava desligado. Liguei para a casa dos pa is dela. Uma tia, aos prantos, atendeu e me deu a sentença: ela havia se matado, com uma mistura de tranq??ilizantes, uísque e formicida. Era tão simple s. Bastava ter pedido perdão na hora certa. Abri a geladeira, bebi um copo de leite gelado e saí pela casa fech ando todas as janelas, para em seguida vedá-las com massa. Abri a tampa do forno, liguei o botão do gás e descansei a cabeça na grade de ferro, esperando o momento em que eu teria a chance, felizmente, de pedir perdão a ela. E dizer que sim, eu a amava. Até à morte.







Herança



Leonardo Sodré




Ela era um homem com quase 70 anos. Sentado na varanda do seu apartamento olhava para as luzes da cidade com os olhos em chamas. Havia chorado muito depois da conversa que tinha tido com sua esposa, quase 20 anos mais nova do que ele. Revia a vida e as lembranças mais antigas. Sabia que na idade em que estava às rememorações mais velhas vinham mais a tona do que as novas. Sentia-se culpado por muitas coisas, principalmente porque não conseguia esconder de si mesmo se u principal vício, que consistia em simular paixões para conseguir seduzir mulheres. Não importava se fossem ca sadas, solteiras, comprometidas, viúvas... O que interessava a ele – lembrava-se com um frio na barriga – era a conquista pela conquista.



Naqueles dias ele estava magoado consigo mesmo. Aprendera ao longo da vida a conhecer valores éticos e os praticava na profissão, mas intimamente os relegava quando se tratava de novas conquistas. Andava tenso porque não conseguia deixar de cortejar a mulher de um amigo que ele imaginava admirar e gostar. Sentia que ela estava começando a ceder ao seu estilo manhoso de ir se chegando como um amigo fiel. Quando mais jovem, jactava-se em dizer que ‘arrodeava a presa como uma cobra’ até o bote final, estudando todos os seus passos, avaliando todas as suas emoções para dar ‘a investida fatal no momento preciso’. Mas, com o passar do tempo e particularmente com relação a essa nova investida, ele estava p ela primeira vez incomodado. ‘E se fizessem comigo a mesma coisa?’, chegou a pensar.



Voltou o seu olh ar para a cidade e para as nuvens de chuva que ameaçavam chegar para tirá-lo do conforto da varanda. Avaliou que o frio que sentia na barriga era maior do que o que vinha empurrado pelas nuvens negras que subiam lentas, costeando o Rio Potengi. Lembrou-se da conversa que havia tido há alguns minutos com a sua mulher. ‘Um anjo de candura e compreensão’, refletiu. Viu novamente o seu rosto triste enquanto tiveram aquela longa e reveladora conversa depois que ele a inquiriu de forma bruta sobre o que aquele homem estava fazendo na sua casa. Ele havia percebido a presença daquele estranho muitas vezes no seu prédio, mas, naquele dia, quando deixou o elevador ele ia saindo do seu apartamento. Penso u que estava sendo traído. ‘Ele tem quase a idade da minha mulher e eu não admito traições!’ Havia pensado com raiva.



Na cozinha, munido de toda a revolta do mundo, esbravejou contra a presença daquele homem no seu lar, não sem antes ressaltar suas virtudes como marido fiel, trabalhador e que somente vivia pela família. Não era um discurso preparado, ele falava com convicção porque fora criado para se reafirmar cotidianamente como macho e considerava possível o homem trair em detrimento da mulher. Estava vermelho, colérico e o seu corpo pequeno e já meio encurvado pela idade, tremia, enquanto ele punha em dúvida a honestidade de sua cara metade, que tinha nome de santa. Ela manteve-se calada, serena, olhando o tempo todo para um lugar indefinido, até ele terminar de gritar. Depois, olhando-o firmemente, ela pediu suavemente que ele a escutasse.



Agora na varanda ele chorava enquanto lembrava-se das revelações da sua mulher, que relat ou ser aquele homem um filho seu, fruto de uma de suas muitas conquistas. ‘Você não deve ser lembrar sequer do nome daquela mulher que você consumiu e abando nou. O rapaz não esteve aqui para conhecê-lo, mas apenas para saber dos seus irmãos. Ele não lhe entende e não pretende querer entendê-lo. E, foi embora para nunca mais voltar. Assim como você fez com muitas mulheres ao longo da vida, quando você, também, se foi para nunca mais... Evite destruir vidas’, disse, enquanto em passos lentos saia de sua frente.



Agora, mareado com o sono que vem do choro, sentia os primeiros respingos de chuva enquanto pensava na dor que iria provocar no amigo, cuja mulher estava sendo o seu principal alvo naqueles últimos dias. Aproveitava-se de um momento difícil em que os dois viviam. Não conseguiu continuar a pensar, porque os olhos de tristeza de sua mulher se interpuseram como num milagre diante de si. Quedou-se num sofrimento de remorso, encolheu-se diante do espelho das lembranças. Sentiu-se morrer quando descobriu que conheceu apenas as costas de um filho da conquista.









Boneca


José Correia Torres Neto



A peque na boneca de plástico era sempre atirada ao chão após alguns minutos de carinho em seus braços de criança. Quando cresceu em tamanho e em habilidade, não custava desmontar as bonecas. Braços, pernas, cabeça e o tronco se espalhavam pela casa.
Casou-se aos vinte e um anos e foi morar longe dos seus pais. Lá na periferia da cidade grande conheceu alguns prazeres, algumas desesperanças. Foi encontrada esquartejada dentro da geladeira do cabaré.









Pais e filhos

Sandro Fortunato

http://www.sandrofortunato.com.br/

Há frases que repetimos constantemente para exp ressar nossas idéias, nossas certezas, mas muitas vezes não dos damos conta do que realmente querem dizer e de quão verdadeiras e presentes são em nossas vidas.

Há duas que repito sem pre. Uma é a de que não me importa o que meus filhos sejam desde que saibam ler e pensar. Acho absurdo alguém dar este ou aquele tipo de brinquedo, livro ou roupa para uma criança tentando de alguma forma influenciá-la na "escolha de uma profissão". Criança tem que brincar e ser educada dentro dos costumes de sua família, preferencialmente atualizando e melhorando estes. Não tem que se preocupar com nada. Mas ao falar que desejo apenas que meus filhos saibam ler e pensar, talvez eu esteja fazendo a mesma coisa, afinal é só isso o que eu mais ou menos sei fazer.

Enquanto a maioria dos pais gostaria que os filhos seguissem suas carreiras ou escolhessem uma que garantisse bons ganhos materiais e destaque social, confesso que ficaria muito satis feito se os meus simplesmente optassem por algo que lhes trouxesse felicidade. Não me importa se um deseje ser padre, monge budista ou artista plástico, se outra quiser ser a triz, outra escritora, carreiras ingratas que presenteiam pouquíssimos com reconhecimento e dinheiro.

Se optassem por uma profissão por ela trazer prestígio, mais rentabilidade e estabilidade financeira, não iria censurá-los, mas em meu íntimo perguntaria: "Onde foi que eu errei?". Se algum chegasse dizendo que queria ser jogador de futebol, dançarina de axé, pagodeiro ou coisa parecida, diferente do que pensava até um tempo atrás - "mato, me suicido ou os dois?" -, apenas pediria um exame de DNA para que não restassem dúvidas sobre eu não ser o pai. E se por acaso fosse, pediria que lhe abrissem a cabeça para saber o que aconteceu ao cérebro.

Portanto, o desejo é esse: Saibam ler, pensar e sejam felizes.

Outra das coisas que repito é que os filhos ensinam muito mais aos pais que estes a eles. Pais estão aí para orientar e proteger. Se forem suficientemente inteligent es, aproveitarão a oportunidade para aprender algo e esperarão a vez de seus filhos aprenderem quando eles também forem pais. Criança aprende tudo sozinha. E só aprende o que quer. Quem é pai sabe. Quantas vezes você já disse "Não bota isso na boca", "Não pula daí que você vai se machucar", "Caiu no chão, joga fora", "Antes de comer, precisa lavar as mãos". Centenas? Milhares? Desistiu? Mas basta um único dia na escola e as crianças vêm cheias de novidades. Aprendem um monte de coisas: palavras erradas, hábitos abomináveis, gritaria, vozes e risadas de desenhos animados... Aprendem rápido, sozinhas e só o que querem. E assim, ensinam aos pais a ter paciência, perseverança , a buscarem caminhos para driblar a selvageria do mundo, a melhorarem s eus hábitos para que os filhos possam repeti-los.

Há poucos dias, levei Pietro, meu mais novo, a uma igreja. Logo na entrada, uma imagem de Jesus de braços abertos. Perguntou quem era, eu respondi. Imediatamente ele observou:

- Ele está machucado.

Para tentar diminuir a seq??ência de "É? Por que?", tentei usar um acontecimento do dia para diminuir a história.

- Hoje, no colégio, um colega seu não o machucou sem querer? Às vezes as pessoas machucam as outras sem querer e sem saber porquê estão fazendo isso.

Ele me olhou com aquela cara de "que história mal contada" e disparou:

- Ele veio assim da fábrica?

Passei toda a vida dizendo que não sigo qualquer religião e que sou iconoclasta, mas precisei de uma criança de três anos para me mostrar que estávamos diante de uma imagem. O que ou quem ela representa, que histórias evoca, os valores que lhe são atribuídos, tudo isso forma um conjunto de informações que vamos recebendo e criando durante a vida e que, muitas vezes, fazem com que percamos a capacidade de olhar para algo e enxergar o óbvio. Mesmo que nunca tivesse visto algo daquele tipo, Pietro sabia que estávamos diante de um "boneco" e que certamente ele não havia se machucado na escola enquanto brincava com seus coleguinhas. Simples assim. Pensamento puro, direto, sem complicações.

Nesse dia, finalmente entendi e aceitei: na relação pais e filhos, os educadores são os filhos.

Recolho-me a pensar nas muitas lições contidas numa pergunta simples e a procurar outros caminhos para me orientar e, se possível, orientar meus filhos.

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