terça-feira, 8 de julho de 2008

TEXTO DA SEGUNDA - EDIÇÃO DO JORNALISTA, ESCRITOR, POETA CEFAS CARVALHO (COLETÂNEA DE TEXTOS DE AUTORES POTIGUARES - UM PRIMOR) - CONTRIBUIÇÃO RIZO


CLÁUDIA MAGALHÃES - ATRIZ E DRAMATURGA - AUTORA DO CONTO "ELE"

A quem interessar possa,

repasso página do jornalista Cefas Carvalho, contendo texto de minha autoria.

Grande abraço,


Rizolete


--- Em seg, 7/7/08, cefascarvalho escreveu:

De: cefascarvalho
Assunto: Texto da segunda 7 julho
Para: "claudia.magalhaes1"
Data: Segunda-feira, 7 de Julho de 2008, 14:52





Cara(o) amiga(o),
Bom dia! Eis aqui na sua caixa de mensagens mais uma edição do Texto da Segunda,
a velha mistura de contos, crônicas, poesias e reportagens que mando para um
seleto grupo de amigos todas as segundas-feiras. Hoje, envio o seguinte:
1 – Conto de minha autoria: "Cavaleiro andante". Para ler mais textos meus,
acesse www.cefascarvalho.blogspot.com
2 - Da atriz e dramaturga Cláudia Magalhães o belo conto "Ele". Leia outras
pérolas dela em www.teatroclaudiamagalhaes.blogspot.com
3 - Crônica da poeta e escritora Rizolete Fernandes: "Por quem os plausos
soam?".
4 - Poesia matuta do mestre Renato Caldas, enviada pelo amigo escritor e
jornalista Leonardo Sodré (www.becopress.blogspot.com)
É isso. Boa leitura e entre em contato.
Um abraço!

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Cavaleiro andante


Cefas Carvalho



Sou um cavaleiro andante. Por Deus que, com minha arma e meu escudo, honrarei o
brasão de minha família e não perecerei nas mãos destes malditos que me
perseguem! Se me escondo neste aposento escuro deste castelo amaldiçoado é
porque os infiéis são em grande número e preciso permanecer vivo para defender
meu rei e meu castelo. Os malditos querem me capturar e me submeter a
incontáveis torturas. Ouço ruídos e percebo que os vilões estão atrás de mim.
Preciso fugir deste calabouço e partir para minhas nobres epopéias, matando
dragões e salvando donzelas. Sou um cavaleiro andante, repito, e com minha
armadura e minhas armas, levo a justiça até os confins do Reino, com a benção
do meu rei, imperador destas terras, e de Deus Nosso Senhor. Empunho minha
espada sagrada e aguardo os ímpios adentrarem o aposento. Gritos de guerra e
urros quase bestiais. Percebo que a legião de feiticeiros, todos de branco,
começa a me cercar. Dois dos
mandriões carregam consigo um pano mágico, com o qual querem me aprisionar.
Outro feiticeiro tem entre os dedos a agulha do demônio... Não se aproximem de
mim, seres infernais, afastem-se de um cavaleiro ungido pelo rei, larguem-me
cães do inferno...

*

- João, onde coloco essa vassoura?
- Lá no almoxarifado. Rapaz, hoje o homem estava brabo. Ele segurava a vassoura
como se fosse uma espada...
- Esse aí está cada vez mais doido. Trabalhar em hospício é assim mesmo, meu
caro...
- Mas com a injeção que tomou, vai dormir até amanhã. Ei, hoje tem jogo lá no
caminho do bairro?
- Rapaz, acho que sim. Bater uma bola é bom depois de um dia desses. E o cara
gritando que ia salvar princesas, hein?...


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Ele

Cláudia Magalhães


Ele foi, aos poucos, abrindo o seu enorme baú de vergonhas. Vinícius era o
seu nome. Conheço-o desde a mais tenra idade. Crescemos juntos. No início, eu o
achava destemido, inteligente, ousado, mas, com o passar dos anos, ele foi se
revelando um ser repugnante, capaz das piores baixezas para conseguir o que
queria. Aos 22 anos, nos formamos em jornalismo e começamos a trabalhar na
redação do jornal de um amigo em comum. Apesar dos vexames que ele me causava,
não conseguia me afastar dele. Sentia, por Vinícius, medo e fascínio, uma
espécie de obsessão. Com o início do trabalho no jornal, vi a adolescência ir
embora. Deslocado, no meio daqueles homens mais velhos, eu me refugiava, cada
vez mais, em sua companhia. Saíamos todas as noites, depois do trabalho, para
beber. Ele foi se afogando, rapidamente, na bebida. Confesso, que sempre senti
uma forte atração pelo lado escuro da vida. Mas, depois da falsa alegria, só me
restava uma
forte depressão. Apesar disso, não saberia o que fazer da minha vida sem
Vinícius. Tinha medo da solidão, de ser consumido pela ternura e amor que
existiam em mim.
Até que conheci Márcia, meu grande amor. Imediatamente, me afastei do meu amigo
e comecei uma vida nova. Ela me devolveu o sono tranqüilo e o dia. Apagou as
nuvens cinzas do meu céu e pintou um arco-íris. Ela me trouxe a poesia. Depois
de dois meses de namoro, nos casamos. Todas as noites, ela apagava as luzes da
nossa pequena varanda e dizia: É na escuridão que melhor enxergamos as
estrelas. Mas, existem homens que têm medo do escuro e, principalmente, de céu.
Eu era um deles.
Eu e Vinícius, aos poucos, reatamos a nossa amizade. A partir daí, começou o meu
inferno. Todas as noites, eu via a minha vida se arrastando de bar em bar e
escorrendo pelos copos. Passei a chegar, cada vez mais, tarde em casa, causando
tristeza e desgosto à minha amada. A minha vida profissional começou a ruir.
Sempre colocando o meu nome em jogo, ele começou a desrespeitar o nosso chefe,
a furar as entrevistas marcadas e a chegar bêbado no trabalho. Fomos demitidos.
O desgraçado exercia um forte poder sobre mim. Influenciado por ele, virei mais
uma vítima da piedade e compaixão das pessoas. A que ponto, meus amigos, um
homem pode chegar! Metíamos-nos em brigas, importunávamos as pessoas, lambíamos
o chão, impregnando a nossa língua com toda a sujeira do mundo. Até que
aconteceu o pior.
Um dia, cheguei em casa e encontrei Márcia sentada na cama, acuada, com o corpo
cheio de hematomas. Os seus olhos estavam assustadoramente inchados e o seu
lábio inferior tinha um corte profundo. Quando ela me viu o seu rosto perdeu a
cor. Disse-me, gritando aos prantos, que ele, o maldito Vinícius, bêbado,
entrou no apartamento, feito um louco, dizendo palavras obscenas e movido pelas
piores danações do mundo, a violentou. Cão dos infernos! Excremento do mundo!
Ah, meus amigos, senti, naquele momento, a dor de mil facadas no peito! Perdi
os sentidos. Quando acordei, ela já havia partido. Ela se foi e toda a beleza
deixou de existir. Ela levou a pureza e a alegria. Levou a poesia de
Shakespeare, o lirismo de Camões e o encanto das músicas. Ela foi embora
arrastando o tempo, o perfume e todas as cores. Apagou as linhas das minhas
mãos, deixando somente uma enorme tristeza. Ela se foi e, nas primeiras horas
de abandono, multipliquei por mil os
meus recalques.
Eu queria me vingar! Acabar, definitivamente, com aquele lixo! Reuni todas as
minhas forças e fui ao encontro do maldito. Encontrei-o sujo, bêbado, fedido.
Levei o canalha para o famoso bar da linha do trem, do outro lado da cidade,
conhecido por ser freqüentado por marginais da pior espécie. Estava lotado.
Pedimos uma garrafa de cachaça e começamos a beber. Incentivado por mim, não
demorou, para o desgraçado arrumar confusão. Falando alto, começou a provocar o
sujeito da mesa ao lado.
- O que você está olhando? Quer levar porrada, seu merda?
Imediatamente, o sujeito pegou uma faca e ficou encarando Vinícius.
- Venha, seu corno filho da puta! Covarde!
O sujeito enfiou a faca na barriga dele, que parecia possuído pelo demônio.
-Ah! Ah! Ah! É só isso o que você sabe fazer, seu frouxo?
Foi tão grotesca a reação que o sujeito se intimidou por alguns segundos.
- Ora, pelo amor de Deus! Faça o que tem que fazer, depressa!
Feito um animal selvagem, o sujeito desferiu-lhe várias facadas, Até restar-lhe
somente um fiapo de vida.
Apesar da dor, eu mantinha um sorriso de satisfação, de vitória. Com o corpo
banhado em sangue, eu agüentava firme. Logo, logo, viria a recompensa. Ali,
imóvel, eu aspirava o cheiro da morte. Feito um urubu aguardando carniça, eu vi
a vida fugindo de mim em vermelho. A luz foi sumindo aos poucos. É na escuridão
que melhor enxergamos as estrelas, pensei. Meu nome, Vinícius. Derrotei o meu
maior inimigo: eu!


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POR QUEM OS APLAUSOS SOAM?
Rizolete Fernandes

A apresentadora enfatiza o anúncio para o próximo bloco do noticiário, da
entrevista com a moça sem sobrenome, cuja credencial consiste em ser ex –
participante de reality show exibido pela emissora de televisão em âmbito
nacional. Ela veio à Natal com a finalidade de reforçar certa campanha local,
escorada no voluntariado.
Confessando ignorância quase completa a respeito das pessoas que participam de
programas como o aludido pela profissional da TV, disponho-me a esperar,
curiosa para saber o que tem a dizer a pessoa festivamente anunciada. Adianto
que o que falta para o alheamento ser inteiro, se deve à enxurrada de anúncios
diários na grade da emissora, por ocasião dessas exibições e ao inescapável
boca à boca subseqüente.
E a jovem aparece esbanjando verbo, mas para dizer, apenas e tão somente que,
entre as várias cidades que a emissora-mãe lhe propusera visitar escolheu
Natal, porque, tendo nascido no Nordeste, era importante vir para uma cidade
desta região. Acrescentando que estava super surpresa e super feliz com a
recepção da galera – sumidade que se preza tem que dizer galera, senão veja
dois segundo de entrevista com qualquer pop – frases únicas repetidas à
exaustão, enquanto a galera adolescente ali presente, aos berros, quase não
deixava o telespectador ouvir o nada que a moçoila tinha a dizer durante o
generoso tempo em que permaneceu no ar.
Mas, oh, injustiça! Ia esquecendo de dizer que, instada pela repórter presente
ao evento, ela afinal lembrou de informar que iria doar sangue ao banco de
medula óssea, para delírio do jovem público. Este público que constitui minha
perplexidade: quem são seus ídolos e que modelos comportamentais segue?
Aciono o controle remoto e ponho-me a pensar nas mudanças ocorridas da segunda
metade do século passado, ao limiar deste. Sou de uma geração que desencadeou
profundas mudanças no mundo mediante ideologias. Cultuávamos ídolos, mas nossos
ídolos, ao contrário deste da amostra, tinham substância, conteúdo filosófico e
político com enorme poder de transformação. E atendiam por sobrenomes tais como
Sartre e Beauvoir, com quem nos tornamos existencialistas, Marx, Lênin, Trotsky,
Guevara, Mandela, Luther King e Prestes, que nos faziam politicamente a cabeça.
Ouvíamos a música de Baez, Vandré, Buarque, Leão, Seixas e outros do naipe.
E moças e rapazes, juntos, lutamos contra a ditadura que dominou o Brasil por 20
anos. Fomos perseguidos, presos e torturados, quando não tivemos familiares
envolvidos. Alguns pegaram em armas, muitos perderam a vida, lutando pelo ideal
de uma sociedade justa e democrática. A consciência da localização dos fatos
numa determinada fase da história, não me exime de pensar a atualidade.
Neste início de século, quais ideais e que valores norteiam a juventude? Quem
são seus ídolos e o que professam? Rapazes e moças que se dispõem a passar três
meses confinados, tendo cada passo, cada gesto, ainda que as mais banais
necessidades fisiológicas mostradas em tempo real e logo transformados em
celebridades pela mídia? Tempo no qual fica evidente, de um lado, a
inexistência na vida do grupo de concorrentes, de qualquer experiência
contributiva do afazer sócio-político e cultural de sua cidade e do país; e, do
outro, um infindável repertório de espertezas, de malandragem, de falta de
lealdade e de ética com vistas a eliminar (olha o termo!) colegas, ganhar um
milhão de reais e, segundo pensam, nunca mais trabalhar.
Não parece ser preocupação do telespectador que paga para mandar para casa “os
eliminados”, o caráter de quem fica por último e leva a bolada. Alguns já
andaram freqüentando o noticiário policial, depois de mostrar exaltação ao ter
contrariadas suas exigências de regalias em eventos a que antes não tinham
acesso. É só uma das possíveis conseqüências dessa recente forma de ascensão
social em que o novo rico não está preparado para lidar com a deusa fortuna.
Outros, voltaram à estaca zero.
E o que dizer do fascínio do reality show sobre adolescentes que passam a
supervalorizá-lo como rápido caminho para o enriquecimento, em detrimento de
vários anos de estudo e da constituição de uma sólida carreira profissional?
Estudar, trabalhar, professar ideologias transformadoras é um papo careta.
Dá para perceber agora, caro leitor, o motivo da minha perplexidade? Sei que a
ditadura de 64, ceifando a vida de promissores líderes, matou o sonho de uma
geração e nos legou as seguintes em grande parte alienadas do processo
sócio-cultural e político do país. Talvez possa ser identificada aí uma das
razões para essa drástica mudança no padrão de valores de nossa juventude, a
levar em conta os seus ídolos hoje.
Afinal, a platéia de jovens daquela transmissão televisiva que assisti, aplaudia
entusiasticamente... quem, mesmo?

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RENATO CALDAS

Sá Dona, vossa mecê,
É a fulô mais cheirosa,
A fulô mais prefumosa
Qui o meu sertão já botô!
Podem fazê um cardume,
De tudo qui fô prefume,
De tudo qui fô fulô,
Quí nem um, nem uma só,
Tem o cheiro do suó
Qui o seu corpinho suô.
- Tem cheiro de madrugada,
Fartum de areia muiáda,
Qui o uruváio inxombriô.
É um cheiro bom, déferente,
Qui a gente sintindo, sente,
Das outa coisa o fedô.
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Venha ver seu moço, ói,
O que é fome no sertão.
Mecê, é lá da cidade,
Num tem a infelicidade,
De conhecê isso não.
Mas é bom sempre que vêja,
Pru móde me acreditá.
E, pru raiva, ou compaixão,
Dizê aos nossos irmão,
Qui viu o nosso pená.
... Mas sertão num é Brasí.
O Brasí, é lá pru sú.
Isso aqui é um purgatóro...
Quem mata a fome é o sodóro
E a sede é o mandacarú.
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Menina me arresponda,
Sem se ri e sem chorá:
Pruque você se remexe
Quando vê home passá?
Fica toda balançando,
Remexendo, remexendo...
Pensa tarvez, qui nós véio,
Nem tem ôio e nem tá vendo?
Mas, se eu fosse turidade,
Se eu tivesse argum valô,
Eu botava na cadeia
Esse teu remexedô...
E adespois dele tá preso,
Num lugá, bem amarrado,
Eu pedia - Minha Nêga,
Remexe pro delegado.






Renato namorava um jovem chamada Maria da Conceição que certo dia, regressou a
São Paulo para passear e rever familiares, comprometendo-se com o poeta que
retornaria em breve para os seus braços. Na hora da despedida, Renato entregou
a sua namorada o seguinte bilhete em forma de versos:

Maria da Conceição
Faça uma boa viagem
E leve meu coração
Dentro da sua bagagem.

Passaram-se dias, meses, anos e nada de notícias de Conceição. Ao tomar
conhecimento do seu paradeira através de um amigo que ela tinha se casado
naquela capital paulistana, vingou-se ao lhe remeter o seguinte bilhete rimado,
logo que soube do seu endereço:

Maria da Conceição
Você fez boa viagem?
Devolva meu coração
Que foi na sua bagagem.

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