PROJETO CHÁ COM POESOFIA
COM O TEMA: POR QUE FAZER POESIA E PARA QUÊ? COM O POETA E FILÓSOFO M. C. GARCIA.
ACONTECEU
NO DIA 14/11/2009, SÁBADO,
DAS 15 ÀS 17:30 HORAS,
NA RUA SÃO FRANCISCO, 168, EM REDINHA VELHA,
PRÓXIMO À PONTE NEWTON NAVARRO, (PONTE NOVA)
Estiveram presentes poetas e convidados. Palestrante e anfitrião M.C. Garcia e sua esposa, Dra. Sheyla e sua mãe, a poeta cantora Ivete Ramalho, Marizé (aposentada do BNB e apreciadora da literatura), Socorro Alvarenga, Luiza Teixeira, Hilda Furacão, prof. Janilson de Oliveira Dias. O interessante texto da palestra segue logo após as fotos dos presentes ao evento literário. Parabéns a Biblioteca Otávio Garcia pelo lançamento do Projeto Chá com Poesofia.
A POESIA E O POEMA FILOSÓFICO
[Precisamente essa é a vocação da poesia e também neste ponto - afirmam filósofos tão clássicos como Aristóteles e Tomás de Aquino - o poeta assemelha-se ao filósofo, pois "uterque circa mirandum versatur"[3] ambos se voltam para o mirandum, para aquilo que suscita a admiração. (Naturalmente, o próprio Tomás não deixa de distinguir o modo de captação/expressão pelo qual os poetas se diferenciam do filósofo: aqueles não têm por ofício a estruturação lógica das razões, mas expressam suas intuições por metáforas[4]).]
Luiz Jean Lauand
Fac. de Educação USP
jeanlaua@usp.br
“A arte que se utiliza apenas de palavras, sem ritmo ou metrificadas, estas seja com variedade de metros combinados, seja usando uma só espécie de metro, até hoje não recebeu um nome” (nota: Diz-se hoje literatura, muito se tem discutido sobre o conceito.)
Custou-me muito decidir por onde começaria esta minha reflexão, se iniciaria discorrendo primeiro e diretamente sobre o poema de Parmênides, ou, se faria um intróito referente ao que se denomina propriamente “poema filosófico”. Bom, a decisão, portanto, se deu por via deste último que me pegara de chofre, dado ao fato de que há muito tempo sempre quis me debruçar a respeito da referida denominação e a outras formas poéticas no universo da literatura. Não obstante, a decisão optaria mesmo pelo óbvio – que é o natural de todo ensaio: iniciar-se pelo preâmbulo.
Acredito que muito há de filosofia em trabalhos literários e que muitos dos filósofos têm discorrido sobre tal universo como a exemplo do alemão, Theodor Adorno (1906-1969), fundador da escola de Frankfurt; e do francês, Michel Foucault, (1926-1984). Todavia, ao que tange à literatura temos a obra Quincas Borba do escritor Machado de Assis o qual destaca a personagem, título da obra, como filósofo a utilizar o aforismo “Ao vencedor, as batatas!” que se pode compreender como síntese do sistema filosófico Humanitismo, criado por Quincas Borba. Todavia, sabido é, que o poema foi a primeira forma de idéia que o ocidente – especificamente os gregos – tem como registro preliminar do exercício do pensar – mesmo que esse pensar advenha ainda do coração dos homens como retrata muito bem os personagem na Ilíada; outrora, a narrativa oral, o boca-a-boca, imperava como o meio mais eficiente de transmitir uma tradição, uma cultura entre os povos; por isso mesmo não se sabe de quando é nem por quem foi cantado pela primeira vez os versos de Ilíada e da Odisséia; julga-se, porém, terem vindo de geração em geração, via narrativa oral – como as nossas estórias de Trancoso – até chegar a Homero a quem se atribuiu a autoria dos dois poemas épicos Ilíada e Odisséia. É, justamente, ao poema Ilíada que Platão, na voz de Sócrates, vai contrapor-se em A República, visto que é nesse poema em que o povo grego tem a base de sua educação, de sua formação – Paidéia. Parmênides, porém, antecede a Platão – é mais velho – e é contemporâneo de Sócrates. O que diria então Platão referente ao poema de Parrmênides (?) o qual nos seus primeiros versos faz referências às musas, assim como o faz o poeta homérico?
Antes da réplica à indagação, importa no momento, como foi explanado acima, debruçar-me sobre o que vem a ser “Poema Filosófico” no universo da arte poética na perspectiva de Aristóteles; e no âmbito da filosofia, na perspectiva de alguns pensadores. Antes, porém, elucidamos que na Poética, Aristóteles nos dá uma vasta compreensão do que é a poesia e a define, classifica-a e, sucintamente, nos situa no seu próprio fazer poético:
“Nada impede que pessoas, ligando à metrificação a poesia, dêem a uns poetas o nome de elegíacos, a outros de épicos, denominado-os, não segundo a imitação que fazem, mas indiscriminadamente conforme o metro que usam. Costuma-se dar esse nome a quem publica matéria médica ou científica em versos, mas, além da métrica, nada há de comum entre Homero e Empédocles; por isso, o certo seria chamar poeta ao primeiro e, ao segundo, antes naturalista do que poeta. Semelhantemente, quem realizasse a imitação combinando todos os metros, como Querêmon na rapsódia Centauro, mescladas de todos os metros, também devia ser chamado poeta.”
Como vemos, Aristóteles não faz nenhuma referência ao fazer filosófico. Afinal, entre poeta e naturalista, o que há de comum com o filósofo? Ou, entre matéria médica e científica, o que existe de compatível com matéria filosófica? Parmênides ao fazer o seu poema filosófico estaria imitando a alma, como parte da natureza humana? Ou imitando autenticamente o seu próprio pensar (?) visto que somos Natureza – por sinal, a mais complexa de todas. Aristóteles diz que, imitar, no caso, está mais relacionado com manifestar, expressar, do que reproduzir de forma figurada. Estaria então o filósofo inserido nesse contexto, quando no exercício de pensar?
Situemos, primeiramente, a transposição que se deu do fazer poético ao fazer filosófico. Ou, em outras palavras, como se processou a transposição do mythu para o logos para que, com isso, possamos perceber como Parmênides, antes mesmo de Sócrates e Platão, já exercitava o pensar, ou seja, já filosofava, mesmo que ainda atrelado à forma universal de expressar uma idéia oral ou escrita que era, unicamente, através da poesia. E assim o fez com o seu poema filosófico, Da natureza ou Sobre a verdade. Poema este, que longe de ser uma epopéia homérica – com apenas 150 versos – não deixa, também, de fazer na abertura do poema, referência às deusas assim como acontece na Ilíada. Aqui as musas intercedem os poetas, “Canta, ó musa, a ira de Aquiles...”, em seu canto, porém, com Parmênides, filósofo-poeta-profeta, as deusas o guiam através das cidades e indicam-lhe o caminho:
“1 – Os Cavalos que me conduzem levaram-me tão longe quanto meu coração poderia desejar, pois as deusas guiaram-me, através de todas as cidades, pelo caminho famoso que conduz o homem que sabe.”
Vejamos. O processo de transmutação do pensamento tradicional grego inicia-se, exclusivamente, com os poetas épicos Homero e Hesíodo entre os séculos VIII e VI a. C. com as narrativas orais (Ilíada e Odisséia - Homero) e escritas (A Gênese dos deuses e Os Trabalhos e os dias - Hesíodo). São epopéias que narram as batalhas e lutas dos povos entre os quais estão gregos e troianos. Tudo isso se dá como um processo que ocorre através da transposição do pensamento mítico para o logos, ou seja, do sagrado - em que aparecem as figuras dos deuses, do profeta, das musas e do poeta; para o profano - o uso da razão, onde vai se dar a presença marcante e definitiva do filósofo, do homem. Este que irá questionar as influências dos deuses em sua vida e não mais aceitará as interferências dos deuses. Sócrates e Platão serão os principais responsáveis nesse processo de dessacralização do mito, do divino. Os pré-socráticos, outrossim, já muito haviam contribuído para com esse processo. Heráclito, com os seus paradoxos e, mormente, Parmêrnides com o seu poema filosófico.
A caracterização do mito está presente nas narrativas, as quais expressam todo um universo de conhecimento anterior em que o poeta inspirado pelas musas, num estado de êxtase, resgata toda uma tradição grega ao entoar o seu canto longo e belo, como é o caso da Ilíada na abertura do canto I:
Canta, ó musa, a ira de Aquiles, filho
de Peleu, que incontáveis males
trouxe às hostes de aqueus.
Tais narrativas são tradicionalmente de conteúdo religioso, que procuram explicar os principais acontecimentos da vida por meio do sobrenatural. É chamada poesia épica porque narra os feitos heróicos dos guerreiros dessa época, tais como Aquiles e Agmenon na Ilíada. Nesses poemas os homens são movidos pelo sentimento mítico-religioso, temem os deuses. Tudo que acontece de mal ou de bem depende dos deuses (Os deuses também estão subordinados ao destino - a Moira). Tudo já está predestinado pelos deuses, o inexorável destino, como no caso de Édipo. No canto I da Ilíada, por exemplo, tem-se a seguinte pergunta: “Que deus provocou a desavença entre eles?” nota-se que até os deuses criam intrigas entre os homens (Aquiles e Agamenon) e ao mesmo tempo castigam também: “Febo, Apolo ouviu sua prece. Desceu do Olimpo, com a ira no coração, carregando o arco e a aljava. As setas retiniam em seus ombros, enquanto o irado deus movia-se, negro como a noite. Firmou os pés a pequena distância dos navios e disparou uma seta...” Mas ainda assim, só o sentimento guia a tudo e a todos. Os guerreiros têm o coração aberto para a graça e desgraça dos deuses porque é pelo coração que pensam, sentem e agem: “O coração dentro do seu peito possante imaginou duas coisas.” É no coração dos homens e, não na mente, onde são tomadas todas as suas decisões de vida.
Porém, no decorrer do tempo, com o passar dos séculos as narrativas de feitos heróicos narrados pelos poetas épicos vão se saturando e vão dando lugar a uma outra modalidade de narrativa poética e surge a poesia lírica no canto dos poetas Píndaro e Teógnis que, por sua vez, cede espaço para a poesia trágica através dos poetas Ésquilo, Eurípedes e Sófocles, este último mantém em suas peças características de harmonia e de equilíbrio, menos líricas do que as do primeiro e sem os defeitos melodramáticos das composições do segundo. Neste momento a narrativa mítica vai sofrer uma mudança brusca com relação ao comportamento entre homens e deuses. Nessa poesia trágica vai aparecer uma decadência mútua entre o homem religioso e o Divino. Os homens se afastarão dos deuses e estes não mais influenciarão em suas vidas nem em seus destinos. Os homens continuarão a freqüentar o oráculo de Delfos, mas irão questionar a pessoa do profeta, homem e mortal como eles, exceto os deuses, que são imortais. O profeta e adivinho, Tirésias, é o intermediador do deus Apolo. Mas, com o coração cedendo lugar para a razão, começa a se medir o homem de igual para igual. O saber, agora, é quem vai diferir um homem de outro. Portanto, Sófocles é quem vai dar as primeiras indicações desse processo e definir muito bem essa transição do pensamento tradicional grego, em “Édipo Rei”. Por isso, que “a tragédia de Édipo é, portanto, a história de uma pesquisa da verdade; é um procedimento de pesquisa da verdade que obedece extremamente às práticas judiciárias grega dessa época.”
Como se ver acima, intrinsecamente há na tragédia um veio evolutivo como a um processo natural das coisas, de que existe uma necessidade por querer saber essas mesmas coisas e a sua verdade. E, é isto, que vai diferenciar um homem do outro no exercício do ofício de profeta, de historiador, de poeta e de filósofo. Como acontece, na tragédia “Édipo Rei” de Sófocles, com a personagem-título, Édipo, que vai questionar tanto o profeta Tirésias quanto o deus Apolo, para saber a verdade dos fatos que envolvem o seu povo. Paralelamente a essa realidade Parmênides com o seu poema filosófico, já não mais busca a verdade como o faz Sófocles em “Édipo Rei”, contrariamente, fala com sapiência do caminho que conduz à verdade:
“2- E agora vou falar; e tu, escutas as minhas palavras e guarda-as bem, pois vou dizer-te dos únicos caminhos de investigação concebíveis. O primeiro (diz) que (o ser) é e que o não-ser não é; este é o caminho da convicção, pois conduz à verdade.”
É o homem (ou a deusa?) quem fala. Fala porque sabe. Porque conhece o caminho da verdade (o ser é e o não-ser não é). O poeta (Sófocles) por sua vez utiliza a personagem (Édipo) para expressar o seu pensamento evolutivo – na busca da verdade; enquanto o poeta-profeta-filósofo diz, diretamente, para as deusas, para os homens o que pensa, sem precisar de intermediário. O seu instrumento é a palavra falada e expressa na forma de Poema filosófico. Esta é a linguagem de quem sabe. Como diz Heidegger, “a linguagem é a morada do ser. A linguagem é própria do homem”. Mas se no poema filosófico não é Parmênides quem fala e sim a deusa? Então a deusa não estaria sendo mais uma vez personagem – como tantos outros o fizeram – para transmitir a verdade, já que o filósofo não pode falar a verdade a qualquer um, mas só entre amigos?
E quão extraordinária exclusividade cabe ao homem o poder de ser distinto de todos os outros animais, isso, graças ao instrumento que é inerente, peculiar, intrínseco somente à espécie humana. Tal ferramenta, poderosíssima, denomina-se linguagem, mais precisamente, a fala. Eis que esta não o faz distinto apenas dos irracionais, mas também dos próprios homens.
Dentre os homens que utilizaram o exercício do pensar, podemos dizer que foram os poetas os primeiros a se utilizarem desse expediente para transmitir o seu canto. Homero, por exemplo, na Ilíada mesmo através da linguagem oral tem no seu canto épico a marca de constantes metáforas, ironias, paradoxos, hipérboles, etc.. bem como, o poeta Hesíodo. Ambos eram poetas épicos. Podemos citar também a figura do profeta, adivinho (Tirésias) e do guerreiro (Édipo) os quais tinham poder quanto ao uso da linguagem. Este último, além de ter uma boa desenvoltura no estilo de sua linguagem, tinha acima de tudo, uma inteligência extraordinária. Mas foram realmente os sofistas que se apoderaram radicalmente desse instrumento e o deram uma outra conotação; conotação esta a confundir o próprio Sócrates, graças ao poder de persuasão de sua eloqüência – entenda-se isso como calúnia. Os sofistas levaram às últimas conseqüências o uso da linguagem; fizeram-na uma arma ferina; “No diálogo Fedro, Platão dizia que a linguagem é um pharmakon. Esta palavra grega, que em português se traduz por porção, possui três sentidos principais: remédio, veneno e cosmético.” Certamente, para os sofistas, a linguagem funcionava como um remédio, eis que, através dela eles alcançariam os seus verdadeiros objetivos. Para Sócrates, portanto, a linguagem dos sofistas era só veneno, - no mais altíssimo grau na acepção da palavra –, não apenas para os jovens, mas para os atenienses como um todo. “O relativismo do pensamento sofista. Essa limitação conduziu pouco a pouco os sofistas a privilegiarem o ensino da dialética e da retórica não mais como formas de descobrir a verdade, mas como forma de fazer prevalecer a argumentação própria em detrimento da contrária ou, em outras palavras, de triunfar na vida política e social.”
Através dos recursos lingüísticos a linguagem se faz num instrumento de poder nas mãos tanto de crápulas ou déspotas, como nas mãos de poetas, profetas, adivinhos, sábios, filósofos. Porém, é este último quem irar apoderar-se, com bastante propriedade, desses recursos para resgatar o verdadeiro sentido da linguagem que segundo Aristóteles diz que “toda arte, toda investigação, toda ação, toda escolha, tem em mira um bem qualquer: o bem é aquilo que todas as coisas tendem”. Se virmos a linguagem por essa perspectiva, Sócrates não só a tornará um bem, com seus recursos, como também só o bem é que tentará transmitir em seu conteúdo discursivo eticamente falando. Há de se ter o coração voltado só para o bem, posto que, os recursos da linguagem servem tanto para gregos como para troianos, tanto para o sagrado como para o profano; tanto para o universo da poesia como para o universo da filosofia. E é aqui onde poetas e filósofos se harmonizam através do instrumento que é a linguagem escrita ou falada. Sócrates não só tem o coração voltado para o bem, como também terá a sua inteligência voltada para esse mesmo fim. E, através do recurso lingüístico que é a ironia, propriamente, que ele irá discorrer a sua defesa. Sócrates, homem simples, mas de espírito aguçado, é, entre os pensadores de sua época, quem vai dá vazão definitiva ao uso do pensar e, fazer da linguagem, em sua defesa, uma faca de dois gumes afiadíssimos a ponto de cortar a alma dos próprios atenienses; um discurso carregado de ironia que não se omite nas entrelinhas mas se expõe aberta e cruamente na sua fala paciente de filósofo-poeta-profeta. Sócrates transforma a sua fala em aforismos fantásticos, mas tão cortantes como uma navalha a triturar o vento, o pensamento dos mais sábios atenienses entre políticos, poetas e artesãos, cujo conhecimento, apenas se julgavam saber alguma coisa da qual nada sabiam. E Sócrates, quando perguntado a respeito da sua sabedoria responde: “sou sei que nada sei”, e noutras especulações feitas pelos sofistas dizia: “conhece-te a ti mesmo”. Quão pleonástico é agir tiranicamente e, em seguida, em público afirmar, com todas as letras, que é tirano; só os tiranos ousam ser nulos desta maneira; os sábios, por sua vez, ora se calam... e é como se dissessem: “as pedras falam, eu estou calado”; ora afirma: “tu mesmo o disseste”, outros, ironicamente, afirmam: “só sei que nada sei”. Pleonástico, paradoxal ou irônico é do domínio universal da linguagem humana, mas os homens de bem é que farão realmente a diferença.
De acordo com esse processo evolutivo do pensar podemos caracterizar Parmênides como poeta-profeta-filósofo, como o primeiro a esboçar filosoficamente o pensar num poema. E, com o instrumento que é a linguagem falada e escrita... depois por seus discípulos, inicia em seu poema o que Platão fez depois em seus diálogos. Parmênides que é contemporâneo à época em que o povo grego tinha e seguia a sua formação, a sua Paidéia, como dissemos anteriormente, segundo a tradição da educação emanada da Ilíada e da Odisséia nem sequer atinara em ir de encontro ao Poema homérico como o fez Platão em A República, muito pelo contrário, bebeu prazerosamente na fonte a ponto de construir o seu poema nos mesmo moldes; aliás, na mesma forma, do já então existente versos homéricos, em poesia. Segundo o que trata A República, Platão aprovara – por omissão de palavras – o poema de Parmênides, visto que em nenhum momento faz referências nem elogiosa nem crítica ao seu poema. Teria então esquecido de Parmênides? Ou não via a sua reflexão filosófica como tal criação, ou seja, atrelada à forma de poesia? Platão que é, por sua vez, quem cria o divisor de águas desse pensar antes e depois de Sócrates, é que coloca este, que nem sequer escreveu uma linha de seu pensamento, como um verdadeiro filósofo-poeta-profeta quando passa a criticar severamente o poeta Homero e, ao mesmo tempo, idealiza uma cidade quase perfeita para o seu povo. Como vemos, podemos perceber que Parmênides é pré-socrático e tanto Sócrates quanto Platão não estão para criticar seus predecessores como Parmênides, Heráclitos e outros, mas muito mais aqueles que fazem o uso da oratória erradamente, como foram os sofistas. Estes sim, são duramente criticados por ambos.
A quem Parmênides recorrera para escrever o seu poema filosófico? Teria mesmo recorrido a Homero? Ou teria indo beber noutras fontes que não fosse na Grécia? Segundo Aristóteles, na Poética – diferentemente de Platão –, nos dá alguns posicionamentos a respeito da arte, da poética e da poesia. E, até chegou a escrever uma poesia para o seu mestre, Platão. Antes, porém, vejamos o significado de poesia, filosofia e poética a nível literalmente denotativo. Poesia é a arte de dispor as palavras de modo a construir enunciados que chamem atenção por si mesmos em seu aspecto externo. Mais antiga forma de criação literária. A Filosofia é o termo com diferentes definições através dos séculos, em geral referentes à busca da sabedoria e à justificação racional dos princípios universais das coisas e seres. (©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.). O conceito de poética, para os gregos, deriva do verbo "poéin", que significa originalmente "fazer", "fabricar", e indica a realização de uma obra exterior ao sujeito que a produz. Nesse sentido se distingue de outro fazer, o da "praxis", cuja ação é imanente ao sujeito (como no caso da ética e da política).
Na Poética, Aristóteles examina as várias formas de poesia, como a epopéia, a comédia e a tragédia (que é a forma superior). Para ele, a poesia é o gênero literário que mais se aproxima da Filosofia. Isto porque o poeta, diferentemente do historiador, não imita o que aconteceu, mas o que poderia acontecer de modo necessário. Nesse sentido, a poesia tende para o conhecimento do universal, que é o objetivo máximo da Filosofia. Portanto, o discípulo correspondia aos elogios do mestre. É tanto que, numa poesia escrita em homenagem póstuma a Platão, retrata-o como o protótipo do sábio em que a bondade se confunde com a virtude. "Quando um homem se torna bom, ele se torna feliz", este é um dos grandes versos que Aristóteles dedicou a Platão, seu mestre.
Ainda referente à poesia filosófica, onde ela se insere realmente nesse universo? A poesia pode apresentar-se em composições muito variadas. Os antigos retóricos gregos dividiram-na em épica, lírica e dramática, divisão que, embora um tanto rígida, ainda é aceitável. Podem distinguir-se outros gêneros poéticos, dentre os quais um dos mais importantes é o da poesia didática, que apareceu como uma derivação da épica nos tempos clássicos. Nesse gênero, a poesia é utilizada como meio para expor com beleza temas científicos, técnicos, ou doutrinas filosóficas e religiosas. Aqui se encontram obras como De natura deorum (Sobre a natureza dos deuses), de Lucrécio, poeta romano do século I a.C., que o emprega para expor a doutrina do epicurismo. Cabe incluir também na poesia didática as fábulas ou as formas populares, como os refrães e adivinhações.
Na maioria das antigas civilizações produziu-se, em determinado momento, a compilação e a fusão das tradições nacionais orais num poema épico. Os exemplos mais antigos que se conhecem, ambos de origem mesopotâmica, são o Enuma elish, poema da criação, e o Gilgamesh, que narra o encontro do herói Gilgamesh com Utnapishtim, único ser humano ao qual estava reservada a vida eterna. Ambos os poemas datam, provavelmente, do quarto ou terceiro milênios antes de Cristo. Também o Mahabarata, poema de enorme interesse filosófico e social, atribuído ao lendário poeta hindu Vyasa, e o Ramayana, atribuído ao poeta Valmiki, cujo tema é a vida de Rama, rei de Ayudhya, são exemplos de epopéias.
Ante de tal explanação, podemos perceber que Parmênides, de acordo com a sua época, estava em sintonia, ou melhor, estava antenado com a sua realidade universal ao escrever o seu poema, Da natureza ou Sobre a verdade, de cunho filosófico que certamente sofrera grande influência dos poetas Homero, Hesíodo e muitos outros centrado, acima de tudo, nas epopéias. Mormente, por escrever em forma de poesia, e, como nos poemas épicos, conscientemente, faz menção às deusas no início do seu poema e fala da moira, da mesma forma que Homero inicia Ilíada e outros poetas que se preocupavam com o destino.
POESIA-FILOSOFIA-POESIA
No contexto literário-filosófico Poesia e Filosofia podem ser consideradas rimas boas e ao mesmo tempo ricas, visto que se combinam exatamente e não são pobres ou vulgares porque não são tão comuns. Apesar de serem da mesma categoria gramatical – ambas substantivos – semanticamente se distinguem uma da outra e herarquicamente a poesia antecede à filosofia, porém, vivem harmoniosamente quando se refere ao uso na arte da palavra. Neste caso é onde se caracteriza um tipo de rima bela e riquíssima tanto no texto literário quanto no texto filosófico que se fazem intrinsecamente poéticos e com isso a denominação de prosa poética como em textos do escritor José de Alencar ( Iracema) e de textos do filósofo Heidegger ( Caminhos do Bosque). Por essa razão, denominarei poesia – o que hoje se chama literatura –, tudo o que já se foi expresso oralmente ou escrito no pretérito. Tudo era poesia. Eis que “o verso é mais antigo que a prosa e as obras dos grandes poetas têm demonstrado que o ritmo próprio de um idioma manifesta-se plenamente na criação poética, tanto na que obedece a padrões métricos e estróficos predeterminados, quanto no verso livre, que segue apenas as pausas e os critérios rítmicos sugeridos pelas palavras escolhidas.” (Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.). Tem-se a tragédia, a comédia, o drama, a filosofia ou o trágico, o cômico, o dramático, o filosófico. Tudo se resumia em poesia que, nessa perspectiva, pode-se dizer que ia de Homero / Píndaro a Sófocles / Eurípedes ou de Heráclito / Parmênides a Aristóteles / Nietzsche. Em Heráclito o lógos – o Ser – se dá a conhecer pelas palavras e pela ação. Mas porque “a natureza ama ocultar-se”, ao sábio [ou ao poeta] cabe despertar os homens para o conhecimento e para a ação em conformidade com a Natureza, decifrando-a, como se decifram os enigmas (Introdução à história da filosofia – os pré-socráticos, pág. 85) Esse ocultamento da natureza aparece de forma alegórica em “Édipo Rei” que é a Esfinge, e o homem é Édipo que busca e desperta para o conhecimento, o saber ao decifrar justamente o enigma da esfinge e termina se fazendo rei de Tebas; e tal como um filósofo Édipo usa a sua inteligência, o lógos, a razão, o ser e vai de encontro ao adivinho, Tirésias, ao deus Apolo perscrutando tudo sobre a verdade dos fatos. Percebe-se, com isso, que Édipo sente prazer em exercitar o seu pensar à medida que as coisas vão se revelando à sua vista e vai descobrindo o poder que o conhecimento lhe dá ante a revelação dos fatos. Como já dissemos, anteriormente, o poeta trágico é o filósofo que se vela na personagem e esta se revela como filósofo utópico; enquanto o filósofo Parmênides se revela sábio e vela-se como poeta no poema filosófico quando nem mesmo na poética de Aristóteles não se revela nenhuma forma de poesia filosófica, vela-se naturalmente, visto que Aristóteles é verdadeiramente filósofo-poeta-filósofo.
Ainda no início dessa reflexão vimos que o escritor e poeta Machado de Assis em seu romance “Brás Cubas” cria a personagem Brás Cubas, o Humanita, para divulgar o seu pensamento filosófico. Fato é que Machado de Assis ou a personagem Brás Cubas fazem-se filósofos a utilizar o aforismo “ao vencedor, as batatas”. O interessante é que tanto poetas quanto filósofos se utilizam desse recurso que é o de ter uma personagem como veículo transmissor e mediador da sua mensagem, do seu pensamento filosófico. Não estaria eles fazendo o mesmo que os poetas clássicos que invocavam as musas para exaltarem seus cantos? Assim como o fez Sófocles em “Édipo Rei” com a personagem Édipo e o aforismo “decifra-me ou devoro-te” querendo mostrar o processo do saber pela investigação; assim como também o fez Platão em “A República” com a personagem Sócrates e os aforismos belíssimos como “conhece-te a ti mesmo” e “só sei que nada sei” como num processo de desmistificação através do lógos, do pensamento; bem como Nietzshe e a personagem Zaratustra e o aforismo “Deus está morto” como uma mudança radical do pensar ocidental com a transmutação dos valores.
M. C. Garcia é poeta e filósofo. O texto acima faz parte de um trabalho realizado em sala de aula no Curso de Filosofia na UFRN. (garciamc2001@hotmail.com / logosmc@ig.com.br)
MAIS DETALHES SOBRE O PROJETO VISITE O SITE: http://bibliotecas-culturais.zip.net/
ABRAÇOS POÉTICOS
M. C. GARCIA
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