sábado, 28 de junho de 2008

ENTREVISTA DE MARGHA MEDEIROS AO POETA ESCRITOR LÍVIO OLIVEIRA

Caríssimos amigos e amigas,



Com satisfação e com uma ponta de orgulho, envio a 8ª entrevista das que tenho feito com escritores de todo o Brasil. Desta feita é com Martha Medeiros, escritora gaúcha que me revelou ter parentes no RN. Com um detalhe: nunca veio aqui e pouquíssimo conhece o Nordeste!



Relembro a lista, até aqui: Luiz Carlos Maciel, Antonio Carlos Secchin, Heloisa Buarque de Hollanda, Salomão Sousa, Ronaldo Correia de Brito, Fabricio Carpinejar, Xico Sá, Martha Medeiros. Que time, hein? E vem mais por aí!!!!



Um grande abraço!



Lívio Oliveira


ENTREVISTA DE Martha Medeiros a Lívio Oliveira (27/06/2008):

L.O. Parece que nem sempre você teve preocupações maiores com a arte literária. O que fez eclodir, um dia, a escritora em você?
M.M. As circunstâncias. Não que eu não tivesse o sonho de ser escritora : tinha. Mas não o perseguia. Fiz faculdade de comunicação, fui redatora publicitária por 13 anos, comecei a escrever poemas, tive a sorte de ser editada, e mais adiante, bem mais adiante, surgiu a oportunidade de publicar uma crônica em jornal, que era pra ser filha única – uma só e acabou. Mas os leitores gostaram, o jornal pediu mais, e quando dei por mim havia me transformado numa cronista. Mais tarde, tentei a ficção. E é essa a história. Só hoje, depois de 17 livros publicados, me considero "escritora", mas, no fundo, ainda fico um pouquinho constrangida com esse título, acho solene demais pro trabalho que faço.
L.O. Que cargas e afetos da mulher vão na produção da escritora Martha Medeiros?
M.M. Não me posiciono como representante das mulheres, ainda que eu provoque nelas muita identificação, o que é natural. O que utilizo no meu trabalho não é o senso comum: são minhas próprias cargas (que são leves) e meus afetos (que são intensos). Não acredito em quem diz que não se coloca em sua obra, que não se mistura com seus personagens. Eu estou tremendamente incluída em cada linha que escrevo. Não precisa ser algo real, pode ser imaginado, fantasiado, inventado, mas é uma parte de mim que está ali.
L.O. Sua literatura (ou alguma literatura) é eminentemente feminina?
M.M. Não dou muita corda para esse assunto, prefiro citar Virgínia Woolf, que dizia que todo artista é um andrógino. Nesse mundo "mix" de hoje, acho uma temeridade segmentar o que é feminino ou masculino. Eu mesma acho que tenho uma voz interna que soa muito masculina às vezes, no sentido da objetividade (mulher sempre foi considerada mais subjetiva). Sei lá, acho que isso é tema para ser debatido entre intelectuais, professores, etc. Como autora, é algo que não me interessa classificar, não penso nisso em momento algum. Tampouco como leitora: não escolho livros pelo sexo dos autores, e sim pelo encantamento que a prosa deles me provoca.
L.O. Poesia ou prosa? O que a move mais na arte de escrever?
M.M. Atualmente, a prosa. Ando encantada com o mundo da ficção, quero me dedicar mais a esse gênero, que domino pouco. A poesia também é uma forma de ficção, mas no momento ando me sentido meio estéril para versos, não estou conseguindo atingir a introspecção necessária, ou talvez eu não esteja conseguindo resumir o que sinto (poesia, em geral, é breve). Estou precisando extravasar, soltar demônios, investigar emoções, ir fundo em alguns assuntos, e esse jorro me convida a não ter métrica, não ter rima, não ter contenção. Mas isso são momentos de vida. É o que me move agora, amanhã não sei.
L.O. Ter nascido fora do eixo Rio-São Paulo dificultou sua trajetória literária? Em que veredas você precisou caminhar?
M.M. Não dificultou em nada, talvez até tenha facilitado. O Rio Grande do Sul é um estado com forte cultura literária. Aqui se lê muito, se escreve muito. Essa terra gerou grandes autores (Érico e Luís Fernando VerÍssimo, Josué Guimarães, Mário Quintana, Lya Luft, Moacyr Scliar, João Gilberto Noll, Carlos Nejar, só pra citar os mais célebres) e tem um diferencial: faz frio!! (risos) O inverno é um bom aditivo literário, todos ficam mais reclusos, cultivam sua solidão ao pé do fogo, e acabam se "socializando" através da escrita. É uma figura de retórica, claro. É meio verdade e meio bobagem, porque bons escritores brotam em qualquer lugar, mas a verdade que o fato de estar aqui não me atrapalhou: meu primeiro livro saiu pela Editora Brasiliense, de São Paulo, sem que o editor (na época, Caio Graco Prado) sequer soubesse da minha existência, ele conheceu meu trabalho através de cartas que eu enviava à editora, e só nos conhecemos pessoalmente no dia da sessão de autógrafos. Depois passei a editar pela gaúcha L&PM (com quem sigo editando as crônicas e poemas até hoje) e só em 2002 passei a editar pela carioca Objetiva (com quem edito ficção). Nada foi rápido, mas prefiro assim, um degrau depois do outro, sem afobação. A carreira fica mais bem sedimentada.
L.O. Qual a importância da crônica na literatura? Que poder ela possui (ainda)?
M.M. A crônica é o hall de entrada. Ela fisga aqueles que não têm paciência para ler textos maiores, ela fisga aqueles que gostam de ler sobre o cotidiano, ela fisga pela vaidade: a crônica faz com que o leitor se sinta cúmplice do escritor, faz com ele pense: "é exatamente o que penso, eu também poderia ter escrito isso!" E assim vai se estabelecendo uma familiaridade com o texto escrito que pode, mais adiante, avançar para leituras de obras com mais fôlego.
L.O. Que influências lhe são mais caras?
M.M. Tudo que eu leio, até hoje, me influencia. Mas lá atrás, foi Monteiro Lobato o responsável pela minha paixão pelos livros, e Mário Quintana pela minha atração por poesia. E Marina Colasanti foi muito importante também, lembro que no início dos anos 80 eu consumia suas coletâneas de crônicas (que ela escrevia para revistas) e aquilo tudo foi me dando uma consciência feminina muito embasada, ela me ajudou a me tornar mulher, foi minha Simone de Beauvoir brasileira.

L.O. Você vive, hoje, da literatura e para ela?
M.M. Dela, sim. Para ela, de jeito nenhum. A literatura paga minhas contas e é uma atividade que me dá prazer, o que é uma sorte! Poucas pessoas conseguem ter prazer com suas fontes de renda. Mas não vivo para a literatura: vivo para amar, namorar, conviver com minhas filhas, viajar, curtir minhas amigas, ouvir música, trilhar pelo mundo. Não freqüento rodas de escritores, não me interesso pela parte teórica da minha profissão, literatura nem mesmo é meu assunto preferido. Gosto mesmo é das relações humanas, da complexidade de todos nós, do nosso lado mais íntimo e secreto. Gosto da matéria-prima do meu trabalho, isso sim. Mas isso me interessaria de qualquer jeito, mesmo que eu trabalhasse em outra coisa.
L.O. Viveria sem a literatura?
M.M. Olha, se eu fosse obrigada a parar de escrever, seria menos doloroso do que se me obrigassem a parar de ler. Eu não vivo sem literatura, mas digo isso mais como leitora do que como escritora. De qualquer maneira, acho que essa hipótese está fora de cogitação. Estarei sempre envolvida com essas duas atividades.
L.O. Em que a psicanálise (ou outra forma de terapia) pode atuar quando se escreve?
M.M. Eu sou fascinada por psicanálise, costumo ler livros a respeito (os mais acessíveis a leigos como eu) e acho que as duas atividades estão sintonizadas no sentido de que ambas realizam uma espécie de exorcismo. Elas puxam de dentro pra fora nossos demônios, angústias, segredos, questionamentos e emoções.
L.O. Você já se acostumou a ser best-seller? O que é isso para você?
M.M. Eu não me considero uma best-seller de forma alguma. Sei que meus livros têm boa aceitação, que vendem acima da média (porque a média, infelizmente, é muito baixa), mas para ser considerada uma best-seller, me falta estrada. O dia que eu estiver na lista dos mais vendidos, claro que vou ficar feliz, não vejo problema com isso. Sei que há um preconceito grande: geralmente os best-sellers são considerados "literatura menor", mas essa visão é tão reducionista... Luís Fernando Verissimo e Lya Luft, pra citar dois conterrâneos meus, vendem aos montes e possuem talento inquestionável. Outros vendem muito e realmente não são grande coisa, mas por que precisamos julgar isso o tempo todo? Eu sei que minha literatura é comercial e isso não me abala nem um pouco, eu não escrevo perseguindo fórmulas – aliás, acho que ninguém faz isso. Os escritores fazem o que sabem fazer. Se dão sorte de seu trabalho repercutir bem entre os leitores, tanto melhor.
L.O. Como você reage ao uso indiscriminado e, às vezes, deturpado de seus textos na internet?
M.M. Não reajo. Não há o que fazer. Apenas respondo os e-mails de leitores que me perguntam sobre a autoria desse ou daquele texto, e agradeço a vigilância. Já me chateou mais essa situação, agora resolvi desencanar. Eu preferiria que não fizessem tantos power points dos meus textos, que eles não circulassem pra lá e pra cá, fica tudo tão trivializado... Mas quem pode contra a força de propagação da internet? De certa forma, devo a ela minha projeção, principalmente na época em que escrevia para o site Almas Gêmeas. Então o jeito é deixar esse rio correr.
L.O. Existe um método de trabalho ideal para você? Há uma disciplina da escrita?
M.M. Trabalho em casa, a tarde inteira, sozinha e em silêncio. Às vezes entro noite adentro escrevendo, mas aí a casa já está mais agitada... Não tenho um escritório fechado, eu trabalho num canto da sala, sem portas. Totalmente acessível. Parece caótico, mas dou conta.
L.O. Quem, no Sul, pode ser citado como uma boa novidade das letras ou merece ser realçado?
M.M. Tem tanta gente bacana aqui. O Fabricio Carpinejar tem se revelado um poetaço. A Cintia Moscovich é hoje a melhor escritora gaúcha, na minha opinião. Tem também a Monique Revillon, uma ótima contista, ainda desconhecida.
L.O. Como você vê a comparação que estabelecem entre você e Lya Luft?
M.M. Nunca tinha escutado isso, que me comparavam à Lya... Nossa, eu me criei lendo os primeiros livros dela, sendo que "A Sentinela" é meu preferido. Lya tem um lado ficcional totalmente diferente do meu, ela é mais intensa, mais trágica, e transita muitas vezes pelo realismo fantástico. Já em seus ensaios e crônicas, aí sim, temos uma parecência temática, ambas gostam e se dedicam a vasculhar a alma humana e suas minúcias. De qualquer maneira, é sempre uma honra ser equiparada com uma escritora do porte dela, consagrada em todo o país.
L.O. Como se comporta o mercado editorial do Rio Grande do Sul, hoje?
M.M. Não estou bem informada a respeito, mas a L&PM, que é com quem tenho mais relações, me parece muito bem, investindo pesado no formato pocket e colocando no mercado tantos os clássicos da literatura como o trabalho de jovens talentos também. E há muitas oficinas de literatura sendo ministradas por escritores, e saraus, encontros poéticos, feiras escolares... Tudo isso ajuda a incrementar o mercado e a formar novos leitores.


L.O. A Lei do Livro teve alguma exeqüibilidade no Rio Grande do Sul?
M.M. Não me pergunte, estou totalmente por fora. Lembre-se da sua primeira pergunta: "parece que nem sempre você teve preocupações maiores com a arte literária...". Até hoje não tenho, muito menos com a política que a envolve.
L.O. Como sente a receptividade dos seus textos pelo público nordestino? É verdade que você tem algumas raízes por aqui?
M.M. Eu adoraria conhecer o Nordeste, conheço só da Bahia pra baixo. Sei por meus pais que há parentes no Rio Grande do Norte, mas distantes. Eu não os conheço. Quanto à receptividade, fica difícil avaliar. De vez em quando me chegam uns e-mails de Belém, de Natal, Fortaleza, e fico radiante, sinto "geograficamente" a grande extensão do meu trabalho. Devo isso à internet, não tenho dúvida.
L.O. Como você vê o avanço da internet em campos como o da literatura? Publicar em jornais ainda lhe motiva?
M.M. Me motiva bem mais do que publicar virtualmente. Sou fã do papel impresso. Acho que livros e jornais ainda despertam uma certa "cerimônia", sem com isso querer dizer formalidade ou distanciamento. Há uma relação de proximidade com o leitor, mas comedida, respeitosa. Já a internet é rápida e eficiente na divulgação de literatura, mas ela arromba portas, cria uma intimidade quase promíscua. Eu não sou a favor da sacralização do livro, pelo contrário, quero que os livros se tornem cada vez mais populares, mas eles sempre vão despertar alguma reverência saudável, estimulante. A internet é reverência zero. Tipo "eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também", e fica mais difícil pinçar o que é valioso realmente.
L.O. O que busca, na vida e na arte, a mulher e a escritora Martha Medeiros?
M.M. Ser amada. Mais na vida do que na arte, aliás, mas se der pra englobar tudo, tanto melhor. Por mais clichê que isso seja, acho que a vida se justifica no amor que a gente dá e recebe, é isso que fica para a posteridade, o resto são maneiras de ocupar o tempo (risos).

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