O poeta Zé Martins lembrou-me que hoje comemora-se o Dia da Rendeira. Tradição europeia introduzida nas terras tupiniquins pelos portugueses.
Minha avó Joana era rendeira. Quando criança encantava-me vendo-a trocar com agilidade os bilros, fazendo surgir belas rendas na fofa almofada entre suas vigorosas e fortes pernas, seu tronco encurvado sobre a peça e o olhar atento por trás dos óculos de aro redondo fino prateado descansado com indolência na ponta do nariz. Minha herança, uma bela colcha de renda dada à mamãe, que anos depois veio cobrir minha cama e, posteriormente, passou a ser usada em momentos especiais de comemoração de família em aconchego à alegria. Laços afetivos que perduram e são pendurados nos cabides dos corações das novas gerações, honrando os feitos dos amados ancestrais. Sua almofada encontra-se no Museu de Macau/RN. Minha avó, uma grande mulher, detentora da sabedoria do conhecimento das plantas, do cultivo, criação, administradora dos bens e da família, educava com rigor, consciente da sua responsabilidade de repassar valores aos descendentes. Lembro do seu enorme carinho para comigo, quando me ponha para dormir na ausência de mamãe e contava-me a história de Cinderela renovada com sua adaptação a cada novo episódio. Eu amava esses momentos. Saudades dessa rendeira especial que sentava no batente da calçada e acolhia-me para juntas namorarmos às estrelas no breu da noite em festa pelos pingos de diamantes cintilantes como os vestidos da Borralheira.
À minha avó Joana Benta de Tito, que chamava com carinho de vovó e às demais rendeiras, especialmente as atuais, por manterem viva essa bela arte de tecer o fio de linha como as aranhas tecem suas teias e sustentam suas famílias, meu poema a seguir, para exaltar esse labor terapia tão presente na cultura potiguar e nordestina.
Rendeira
Jania Souza
Os bilros sempre unidos a sua alma
tocavam sua cantiga de ninar
Teciam com seus dedos afiados
espetando com alfinetes ou espinhos
aquele papelão da arte preservado
Do nada, teias de sonhos e elegância
contavam a cada fio de melancolia
seus dias de glórias ou tristezas
embalados na cantilena dos bilros
Entre eles, ficava esquecida das dores
de tantas lutas incansáveis minando suas carnes
da coragem, dos pingos de sedução desbotados
sugados sem qualquer piedade pelas rugas
tatuagem cruel em sua história invisível
e mal contada
Ah, seu consolo maior
os bilros
permanência em seus dedos
no folguedo relutante escondido em segredo
no fundo de seu íntimo
regozijava-se em trocá-los com alegria
tão perto de seu peito, enquanto sua alma explodia!
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