quarta-feira, 13 de abril de 2022

DIA DA RENDEIRA

O poeta Zé Martins lembrou-me que hoje comemora-se o Dia da Rendeira. Tradição europeia introduzida nas terras tupiniquins pelos portugueses.

Minha avó Joana era rendeira. Quando criança encantava-me vendo-a trocar com agilidade os bilros, fazendo surgir belas rendas na fofa almofada entre suas vigorosas e fortes pernas, seu tronco encurvado sobre a peça e o olhar atento por trás dos óculos de aro redondo fino prateado descansado com indolência na ponta do nariz. Minha herança, uma bela colcha de renda dada à mamãe, que anos depois veio cobrir minha cama e, posteriormente, passou a ser usada em momentos especiais de comemoração de família em aconchego à alegria. Laços afetivos que perduram e são pendurados nos cabides dos corações das novas gerações, honrando os feitos dos amados ancestrais. Sua almofada encontra-se no Museu de Macau/RN. Minha avó, uma grande mulher, detentora da sabedoria do conhecimento das plantas, do cultivo, criação, administradora dos bens e da família, educava com rigor, consciente da sua responsabilidade de repassar valores aos descendentes. Lembro do seu enorme carinho para comigo, quando me ponha para dormir na ausência de mamãe e contava-me a história de Cinderela renovada com sua adaptação a cada novo episódio. Eu amava esses momentos. Saudades dessa rendeira especial que sentava no batente da calçada e acolhia-me para juntas namorarmos às estrelas no breu da noite em festa pelos pingos de diamantes cintilantes como os vestidos da Borralheira.

À minha avó Joana Benta de Tito, que chamava com carinho de vovó e às demais rendeiras, especialmente as atuais, por manterem viva essa bela arte de tecer o fio de linha como as aranhas tecem suas teias e sustentam suas famílias, meu poema a seguir, para exaltar esse labor terapia tão presente na cultura potiguar e nordestina.


Rendeira


Jania Souza


Os bilros sempre unidos a sua alma

tocavam sua cantiga de ninar

Teciam com seus dedos afiados

espetando com alfinetes ou espinhos

aquele papelão da arte preservado

Do nada, teias de sonhos e elegância

contavam a cada fio de melancolia

seus dias de glórias ou tristezas

embalados na cantilena dos bilros

Entre eles, ficava esquecida das dores

de tantas lutas incansáveis minando suas carnes

da coragem, dos pingos de sedução desbotados

sugados sem qualquer piedade pelas rugas

tatuagem cruel em sua história invisível

e mal contada

Ah, seu consolo maior

os bilros

permanência em seus dedos

no folguedo relutante escondido em segredo

no fundo de seu íntimo

regozijava-se em trocá-los com alegria

tão perto de seu peito, enquanto sua alma explodia!


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