Bagagem de um sertanejo.
Como quem quer ganhar vida
Eu fui mais um passarinho,
Por querer vencer não quis
Ficar parado em meu ninho,
Acunhei de mundo afora
Bati asas e fui embora
Em busca de meu caminho.
Decidi seguir sozinho pra
abrir minha própria estrada
Vim trazendo a honestidade
Que pelo meu pai foi dada,
Ele eu trago como escudo
Pois sem pré me ensinou tudo
Sem precisar dizer nada.
Eu vou cumprir a jornada
Que o destino me prepara
Levando as mãos calejadas
Uma coragem tão rara,
Levo as lições de pai que ouço
Vou sem dinheiro no bolso
Mas com vergonha na cara.
Rasgando o vento na cara
Vou procurar o meu norte,
A cada olhar vou mais sábio,
A cada passo mais forte,
Sem chorar chance perdida
Dentro do jogo da vida
Eu vou ver se tenho sorte.
Eu vou celebrar a morte
De todo o meu grande atraso
Sem esperar que aconteça qualquer coisa por acaso
Minha bagagem está pronta
E eu vou fazer minha conta
Sem temer o fim do prazo.
Vou levantar vôo raso
Por cima do meu passado,
Ver cada bobagem feita
E cada feito coroado,
Levando meu julgamento,
Carregando o sentimento
De ao menos ter arriscado
Vou levando do meu lado
A minha melhor paixão
Como se fosse meu sonho
Pegado na minha mão,
Ela é a última e a primeira
Levo a foto na carteira
E o mor no meu coração.
Eu vou levar meu pião
Escavacando o infinito,
Os meus contos de cigarro,
Meu apito de chilito
A bicicleta sem freio
E de cada amigo feio
Eu levo um gesto bonito.
Eu levo a bola sem pito
Que furava todo dia,
Meus folhetos de cordel,
Meus livros de poesia,
Minha calça de quadrilha
E o meu radinho de pilha
Para escutar cantoria.
Levo o cheiro na bacia
De uma comida de milho
O cochilado de um velho
Na cadeira de fitilho...
Levo a bodega sortida
Vendendo amor pela vida
Como o da mãe pelo filho
Levo o moinho do milho
Para fazer o xerém,
Levo a cangalha no torno
Pendurada no armazém;
Levo no veneno na lata,
Pois muriçoca e barata
Em qualquer buraco tem...
Sem me esconder de ninguém
Eu levo a vontade franca
Levo a força de uma inchada,
Levo os gumes da chibanca,
Vou cultivar meu presente
Quando se rega a semente
A planta ninguém arranca.
Eu levo o feijão de arranca
Fervendo lá cozinha,
Um prato de avueto assado
Atolado na farinha,
Levo os pintos no terreiro
E em meu nariz levo o cheiro
Do café de manhazinha.
Vou levar a campainha
Que eu tocava e corria,
Levo a minha vó sentada
Desbulhando Ave Maria
E levo a noite assombrada,
Pois sobrava presepada
Quando faltava energia.
Levo a casa que eu fazia
Junto do ccanto do muro,
A conversa nas esquinas
O namoro em beco escuro,
De nada meu me envergonho,
Bato as esporas do sonho
Pra galopar no futuro.
Levo a galinha pé duro
Com caldo em cima da mesa,
Pra alumiar meu presente,
Levo a lamparina acesa,
Minha fé, minha crendice
E com minha “beradeirice”
Levo a minha “matutesa”.
Eu vou levando a beleza
Dos conselhos de uma ancião
A esperteza de um menino
Traquinando pelo chão,
A coragem de um vaqueiro
E poder de um cachaceiro
Depois que toma um pifão.
Vou levar o tropicão
Da subida do batente,
A inspiração rebuscada
De um cantador de repente,
Simples na sombra da calma,
Tirando os versos da alma
E lapidando-os na mente.
Vou levar o leite quente
Com catinga de queimado,
Minha rede no alpendre
Com mãe cantando de lado,
Levo o gibão com a cela,
Mas sem fechar a cancela
Do curral do meu passado.
Num pote eu tenho guardado,
A fonte do meu desejo,
Na manga infinda do mundo
Todo perdido eu me vejo,
Vou viver cada segundo
Tentando gritar pro mundo:
Como é bom ser sertanejo.
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