segunda-feira, 11 de agosto de 2008

TEXTO DA SEGUNDA, EDIÇÃO CEFAS CARVALHO

Cara(o) amiga(o),

Bom dia. Eis o Texto da Segunda, a miscelânea de textos que envio todo início de semana para sua leitura, crítica e reflexão. Hoje, repasso o seguinte:

1 - Poesia inédita de minha autoria: "Revelação". E, a pedidos, repasso novamente o conto "Lana", que foi incluído na coletânea paulista "Entrelinhas". Para ler mais textos meus, acesse http://www.cefascarvalho.blogspot.com/


2- do escritor e filósofo Pablo Capistrano, a cr??nica "Cuidado com o cão". Mais dele em http://www.pablocapistrano.com.br/


3 - Da dramaturga e atriz Cláudia Magalhães, o conto "Terra dos Sonhos&quo t;. Para ler mais dela, http://ww w.teatroclaudiamagalhaes.blogspot.com/


É isso. Boa leitura e boa semana.





Revelação


Cefas Carvalho


Você Insiste em poesia
Pede versos
Implora...

Desista...
Isso não é mais comigo
É poema seu!...









Lana



Cefas Carvalho

Chamava-se Lana, como na canção de Roy Orbison. Ela era bela e triste, como todas as canções de Roy Orbison. Conheci-a em um bar, lugar sagrado onde geralmente conhecemos as pessoas importantes que marcam a nossa vida. É tolice tentar descrevê-la. Bem sei que não tinha uma beleza convencional, tampouco era dona de imensos olhos azuis, como nos clichês românticos. Era bela e normal. Estava s ozinha na mesa, iluminando o local com seus olhos melancólicos e oblíquos, como diria Machado de Assi s de sua Capitu. Ganhei coragem para abordá-la e me convidei para sentar à sua mesa. Ela concordou, disse como se chamava - Lana... - e conversamos sobre tudo e sobre nada... Compartilhamos nossas tristezas, rimos das nossas parcas alegrias nesta vida, descobrimos que ambos estávamos sozinhos e à deriva, tanto naquela noite como na própria vida, e por fim convidei-a para passar a noite no meu apartamento. Compramos uma garrafa de vinho tinto barato, pegamos um táxi e nos trancamos em nosso pequeno universo. Foi uma noite inesquecível, com Lana em meus braços...daquelas noites que não deveriam terminar nunca. Terminados os jogos amorosos, cogitei pedir seu número de telefone e perguntar onde ela morava, e talvez jurar aos seus pés que queria vê-la mais mil vezes, mas con siderei que quando acordássemos, pela manhã, eu faria tudo isso e muito mais. Dormi o sono dos justos e dos exaustos de tanto amar. Acordei com uma leve ressaca por volta das onze e quando dei po r mim, percebi que Lana não estava mais no quarto. Não estava mais no apartamento, havia ido embora. Dando uma geral pela casa, percebi que tudo estava em ordem, ela não levara nada, mas também não deixara nada. Talvez só ainda mais tristeza dentro de mim. Recordei, mais melancólico do que nunca da canção de Roy Orbison: Oh beautiful Lana...









Cuidado com o cão



Pablo Capistrano





Eu estava me deliciando com o livro Doutor Fausto, de Thomas Mann, quando me deparei com a seguinte passagem: "quem crê no diabo, já lhe pertence".

Passei um bom tempo paralisado por essa frase, lembrando das advertências da minha já falecida a vó, quando eu, ainda criança, me punha em alguma situação de risco (como subir no guarda roupa e pular na cama, correr por cima do muro com um cabo de vassoura na mão ou desparafusar algum brin quedo com uma faca de ponta). Ela repetia em tom de alerta: "Pablo! Cuidado! O cão atenta!".

Confesso que até hoje, por mais que eu me esforce, tenho uma profunda dificuldade de acreditar no "cão". Não sei se isso é um mérito, ou um defeito, mas não consigo entender como é possível que Deus tenha um rival. Mas isso é uma questão para outras cr??nicas que minha pouca teologia não permite explorar a fundo.

Lembro que uma noite dessas, chuvosa e com esse vento frio, típico dos meses de julho, eu estava ministrando um curso de férias em uma faculdade. O tópico era "Hegel e a história" e a idéia era mostrar aos alunos, o modo como Hegel tentava construir uma ponte entre as concepções teológicas da Alemanha protest ante e o historicismo de Vico. Falando em linguagem de gente normal: eu queria mostrar como a idéia Deus pode funcionar bem quando se casa com a idéia de história. No meio da aula, um aluno levant ou-se e gritou: "Isso é mentira! Isso é mentira!", só para depois sair da sala.

Fiquei sem entender.

Preocupado, procurei o sujeito depois, para tentar dizer a ele o que Northrop Frye (em um livro fundamental sobre a Bíblia ? O Código dos Códigos) havia escrito. Frye tinha um aluno Chinês que não sabia como explicar o cristianismo para seus compatriotas (na década de sessenta, a China vivia em plena era de Mao).

Frye sugeriu: "comece falando de Marx". Diante do espanto do aluno ele emendou algo mais ou menos assim: "sim porque, Marx é filho de Hegel e Hegel é filho de Lutero, então, se você quer falar sobre cristianismo, comece falando do neto e depois chegue no av??".

Mas meu aluno, tomado por um estranho fervor, não entendeu meus argumentos e terminou a conversa com mais uma des sas frases enigmáticas que de vez em quando retém minha atenção: "professor! Quem mais conhece a B íblia, é o Satanás!".
Lembrei na hora dos alertas de minha avó: "Pablo! Cuidado! O cão atenta!" e um arrepio gelado percorreu a minha espinha. De repente, me vi diante de uma impossibilidade.
Que argumento poderia oferecer para convencer meu aluno de que Hegel não era "o cão" nem um dos seus enviados?

O mal tem sempre assustado e seduzido o homem. Diante de um mundo cortado pelo escândalo natural o mal inquieta e perturba, deixando sobre sua zona de influência muitas mentes humanas. Quando os primeiros sacerdotes católicos da Espanha chegaram ao Caribe e a América do Sul, depois de 1492, facilmente identificaram, nas práticas xamanísticas daqueles povos, a influência do tinhoso. Não poderia ser diferente. Como expl icar para um homem do século XVI, marcado por uma visão de mundo circunscrita ao mediterrân eo, cercado por isolamento espaço temporal de mais de mil anos, sem nenhuma consciência antropológica, se m nenhuma capacidade de interpretar e conhecer o outro, o diferente, o estranho; como explicar que aquela possessão, aquela dança, aquele canibalismo, aquele uso ritual de drogas exóticas, poderia ser outra coisa a não ser a influência nefasta do "fedorento"?

Não foram apenas padres católicos que viram a mão (ou a pata) do "rabudo" nas práticas xamanísticas. Avvakum, um sacerdote ortodoxo russo do século XVII, descreveu o xamã siberiano, como uma personalidade religiosa que "servia mais ao Diabo do que a Deus". Oviedo, um viajante espanhol que travou contato com cerim??nias que utilizavam o Ebene, rapé alucinógeno, ainda hoje largamente consumido pelos pajés ianomanis, disse: "Eles adoram o Diabo, sob diversas form as e imagens... Fazem um dem??nio, a que chamam cemi, tão feio e terrível como os católicos o representam aos pés de São Miguel ou de São Bartolomeu; mas não está preso por cadeias, mais ao contrÍ ?rio, é adorado". O relato é grande, mas olha só essa parte: "... e deve considerar-se que o dem??nio entrava nele e falava através dele...".

A desqualificação da antiga religião é um dos fen??menos que sempre despertou a minha curiosidade. O que há, nessas sociedades tradicionais que incomoda? Porque encontrar o "bicho de chifre", ou o charlatanismo, ou a doença mental, ou a drogadicção, em sociedades que não tem esses conceitos? Não se trata de uma simples rejeição racial ao que não é branco, porque outras doutrinas religiosas, (mulçumanas, judaicas, budistas, taoístas e confucionistas) reagiram de forma mais ou menos semelhante.

Ainda hoje, na África subsahariana, as velhas práticas animistas sofrem a perseguição de adeptos do islamismo, assim como os terreiros baianos, do outro lado do atlâ ntico, são apedrejados por fundamentalistas cristãos. Tudo porque, supostamente, o diabo mora na casa do outr o e o que é diferente, estranho, distante de mim, só pode ser mal, sinistro, bizarro.

Meu filho, o mundo é muito vasto, e o ser humano, essa coisa estranha, ainda me assusta muito. Eu, particularmente, tenho hoje, depois de adulto, e apesar dos incessantes alertas de vovó (que nunca teve medo do bafometh, diga-se de passagem) um espanto básico diante da capacidade humana de não entender. Mas do que o senso humano de compreender o mundo, o que me espanta é a tendência incontrolável que os humanos têm de não entender o óbvio.

Mesmo nesse tempo pós-moderno, quando o mal é mais visível, e a banalidade da dor e da morte nos anestesia na sala de estar (será que em algum outro tempo foi diferente?) continuo a temer muito mais as idéias d os homens, porque, como escreveu Thomas Mann, nesse livro publicado depois da guerra, de Aushwit z e da bomba at??mica: "quem crê no diabo, já lhe pertence".




Terra dos sonhos



Cláudia Magalhães





O teu sorriso devorava encantadoramente os meus pensamentos, contrastando e, por isso, enaltecendo, o som melancólico da música Send in the clowns, na voz inconfundível de Carmem MacRae, enquanto eu dirigia embevecida, em direção ao nosso apartamento. Será esse sorriso que ele me dará como grata recompensa quando eu lhe mostrar a grande surpresa da noite: As nossas passagens para a Terra dos Sonhos, Paris! A nossa primeira viagem depois de dois anos de casados. Lá, na terra mágica, ele me fará um filho, Vinícius, ou uma filha, Diadorim... Pensei, deixando-me embriagar, sem rédeas, pelo encanto da tua bela imagem que me guiava. Ah, o teu sorriso... A minha ligação com o divino. Nele, se acham contidas todas as leis do amor, todo o poder dos sentidos... Ele estava tão presente, tão luminoso em meus pensamentos, que nã o enxerguei o carro a minha frente... Escuro.
Perdi os movimentos do corpo. Deitada numa cama, em tempo integral, passei a viver sob os cuidados de terceiros. Nos três primeiros meses, chorávamos juntos, todas as noites... Um dia, acordei com um suave beijo na testa. Abri os olhos devagar e vi o teu rosto. As mesmas feições, os mesmos gestos, o mesmo nome... Mas não era você! Procurei algo humano em teu olhar, piedade talvez, mas foi um grande vazio que encontrei. Depois de um longo e pesado silêncio, você chorou... E o teu choro confirmou o que eu já sabia... Você lançou um olhar vago pelos arredores do quarto, deu-me as costas e partiu. Tentei gritar, mas a voz me escapava. Incapaz de realizar o menor gesto de espanto e de dor, paralisada, enrijecida, recebi a tua ingratidão e o escárnio do destino. O vazio que você deixou encheu o quarto e to rnou-se o meu universo.
Um ano se passou. O meu coração transformou a saudade, o horror do nada, numa alia da esperança. Fazendo uso das sete cores, dá vida ao passado que chega até a mim em forma de sonhos... Sonhos de amor, sonhos de loucura... Entro neles através do teu sorriso. Ele vira o teto do mundo. Derrete a mobília, derruba as paredes do quarto e nos revela a terra dos sonhos... Estamos em Paris... Fazendo amor como quem faz poesia. Rompendo os limites da carne, confundindo as nossas almas, fazemos um filho... E o fim transcende o nada e torna-se começo.
Sei da existência de amores nobres. Eles correm pela vida. Raramente coincidem. Vivem uma série de enganos e morrem com o seu próprio veneno! Estou morta. O meu coração, louco, rejeita a minha condição. Fiel ao seu sentimento, tentando tornar perfeito o imperfeito, alimenta-se de sonhos, das le mbranças do gosto das maçãs e, com grande pressa, continua batendo...


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