quinta-feira, 23 de novembro de 2017

I ENCONTRO DO MULHERIO DAS LETRAS POR RIZOLETE FERNANDES


O I ENCONTRO DO MULHERIO DAS LETRAS

Por Rizolete Fernandes (*)



Mulherio das Letras é um movimento de mulheres que atuam no universo do livro, da leitura e da literatura, entre elas escritoras, poetas, dramaturgas, tradutoras, pesquisadoras, editoras, livreiras, ilustradoras, designers. Objetiva discutir questões com as quais convivem nesse meio, como a pouca divulgação e as raras indicações de livros de autoria feminina para prêmios nacionais; a diminuta presença de escritoras em mesas de grandes encontros e feiras literárias realizadas no país à falta de convites, sendo elas hoje quantitativa e qualitativamente competitivas; e a circulação de suas obras. O Mulherio se propõe a fazer essa discussão, identificar pontos em comum e apontar caminhos para superar entraves.



Surgiu em conversas informais dessas mulheres durante eventos nacionais e tomou impulso depois do Festival Literário de Paraty 2016. A escritora Maria Valéria Rezende (Prêmio Jabuti 2015 com o romance de ficção Quarenta dias) sugeriu um encontro nacional em João Pessoa-PB, onde reside. E a ideia seguiu pelos estados, evoluiu. Para congregar interessadas em contribuir com sugestões e encaminhamentos, foi criado um grupo no Facebook que, em um ano, chegou à casa de cinco mil mulheres, mostrando a aceitação da ideia; vieram encontros estaduais; e junto com o encontro nacional, chegou o rebento Mulherio das Letras

 O Encontro Nacional Mulherio das Letras ocorreu em João Pessoa, PB, no período de 12 a 15 de outubro de 2017. Autogerido, sem hierarquização e organizado de forma colaborativa e voluntária entre participantes, contou com a parceria da Secretaria de Cultura do Estado da Paraíba, Universidade Federal da Paraíba, Fundação Espaço Cultural, Fundação Casa José Américo e da OSC Moenda Arte e Cultura.



A abertura foi feita no auditório da Casa José Américo, para onde acorreram cerca de quinhentas participantes. No discurso de saudação, a escritora Maria Valéria Rezende disse: “Mesmo se der errado, já deu certo”. Na sequência, uma mesa que ela mediou, composta pela escritora Lenita Estrela de Sá (MA), a pesquisadora Algemira de Macedo Mendes (PI) e a reverenciada Conceição Evaristo (MG-RJ), autora de expressão internacional. Constou esse momento de uma merecida homenagem à escritora maranhense Maria Firmina dos Reis, que nos idos de 1859 escreveu o primeiro romance sobre a escravidão no Brasil intitulado Úrsula.



 O Brasil se fez presente de modo plural: gente de todo canto, idade, cor, credo, sexualidade e ideologia. Havia escritoras de outros países, jornalistas, professoras e professores universitários e de outras instâncias querendo debater as questões pautadas. Entre as potiguares, aquelas do grupo Mulherio das Letras de Nísia Floresta, criado no final de setembro 2017, significativamente na cidade que viu nascer a primeira escritora norte-rio-grandense, atualmente considerada pioneira do feminismo no país: Nísia Floresta Brasileira Augusta.                      


Nos dias seguintes, no Espaço Cultural José Lins do Rego, auditórios e bares das proximidades, deu-se conta da extensa programação, que inovou na dinâmica ao deixar de lado as mesas costumeiramente ofertadas nessas ocasiões, em que figurões falam e a plateia cala.  No seu lugar, investiu numa metodologia inclusiva: oficinas de temáticas variadas; lançamento do projeto Cidade Poema, com saída às ruas para adesivar poemas;  exposição de ilustradoras paraibanas, entre as quais responsáveis pelo belo cartaz do encontro; ato intitulado Clamor Negro; feira “Cria por elas” de  publicações independentes e gravura; lançamentos coletivos de livros publicados em 2017; rodas de diálogo; e múltiplas atividades culturais: música, filmes e documentários; espetáculos teatrais, saraus e performances artísticas variadas. Para dar voz a todas.





As rodas de diálogo realizaram-se simultaneamente, sobre os temas Representação e representatividade nas literaturas das mulheres; Mercado editorial e circulação de obras escritas por mulheres; Literaturas escritas por mulheres e feminismos; Escritoras, ilustradoras e leitoras das literaturas para crianças e jovens; Vozes das mulheres negras brasileiras. E não sou uma mulher?; Literaturas, gênero e sexualidade: representação e autoria na literatura brasileira.                





Conferi duas dessas rodas, uma em cada tarde: “Literaturas escritas por mulheres e feminismos” e, no segundo dia, “Mercado editorial e circulação de obras escritas por mulheres”. Riqueza de discussão, alguns consensos, muitos dissensos. Não deu para esgotar tantos assuntos em dois dias. Eles prosseguirão sendo discutidos virtualmente e quando as proposições estiverem consolidadas, delas darei notícia. 



Prateleiras montadas numa kombi do Sebo Cultural estacionada no espaço, expunha e vendia livros de quem os levou, democraticamente, como democrático foi todo evento.



Se aproximava o meio dia do domingo, quando iniciou a plenária de encerramento do I Encontro Nacional do Mulherio das Letras, com um recital dedicado à Maria Valéria Rezende, por várias poetas, dentre as quais a nossa Jeanne Araújo. Valéria, que além do Jabuti 2015 detém outros dois de literatura dedicada ao público jovem, nem de longe lembrava a freira que é. Descontraída, vestida de branco, divertiu a plateia fazendo pose de sereia, ou diva, sentada no pequeno palco em frente ao qual se sucedia a recitação dos poemas. Logo após, as relatoras das discussões nas Rodas de diálogo, mostraram os consensos obtidos e os inúmeros dissensos sobre cada tema, sendo que estes, por decisão conjunta, continuam em discussão por meio virtual por mais algum tempo. Após o que, votou-se a periodicidade, data e local do próximo encontro, para o qual havia convites de Recife-PE e Guarujá, SP. Será no Guarujá, em novembro de 2018.

                                       

Encerrando, uma despedida musical em estilo clássico, com alunos da UFPB e SECULT, regidos por maestrina, executando peças do cancioneiro nordestino e brasileiro. Tão bela quanto emocionante.

 

Na volta para casa, a consciência da importância do passo dado na direção da equidade entre gêneros no meio literário brasileiro. E de que o Mulherio das Letras veio para ficar.



(*) Rizolete Fernandes é poeta do Rio Grande do Norte.

Fotos do arquivo do Mulherio das Letras

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