Livros contra o mal 📚📚📚📚
José Eduardo Agualusa
Jair Bolsonaro revelou mais uma vez a sua perversa bibliofobia — ele gostaria de transformar todas as bibliotecas em clubes de tiro
Por José Eduardo Agualusa — Rio de Janeiro 09/07/2022
Há perto de 30 anos, morando em Lisboa, tive como vizinho um jovem neonazi. Era um sujeito baixo, marombado, de cabeça raspada e olhos apáticos. Regressava à casa muitas vezes após a meia-noite, e logo se anunciava, colocando as suas bandas preferidas de death metal no volume mais alto. Eu, que morava no apartamento contíguo, sofria com o ruído. Uma noite, louco de sono, desesperado, bati à porta dele. Mal o rapaz abriu, vi, presa numa das paredes, uma bandeira nazista. Ele sorriu, percebendo o meu horror:
— Aquilo o incomoda?!
— Incomoda. Mas o que me incomoda mais é o ruído…
— Problema seu — gritou o jovem, fechando a porta.
Uma fúria ancestral tomou conta de mim. Chutei a porta com tanta força que o trinco saltou, em pedaços. O rapaz encarou-me, pálido de espanto. Eu, que estava tão espantado quanto ele com a minha explosão de brutalidade, comecei logo a desfazer-me em desculpas. Urrando palavrões, o jovem agarrou num taco de beisebol e atacou-me. Recuei, protegendo a cabeça com os braços. Entrei em casa e ele seguiu-me, desferindo fortes pauladas. Subitamente, estacou, olhando assustado para alguma coisa, atrás de mim, deu-me as costas e fugiu. Voltei-me, esperando encontrar algum fantasma protetor, brandindo uma lança incandescente, mas atrás de mim vi apenas livros — uma estante cheia de livros de poesia.
Fui ao hospital, tratar dos ferimentos nos braços, e depois passei por um posto policial para denunciar a agressão. Largos meses após o episódio recebi uma convocatória das autoridades. Por essa altura eu já nem vivia mais em Lisboa. Uma policial muito simpática, muito atenciosa, disse-me que o meu antigo vizinho estivera anos internado numa clínica psiquiátrica. Na época em que me agrediu trabalhava numa morgue, lavando cadáveres. De repente, a policial mudou de assunto:
— Você tem muitos livros em casa?
Surpreso, confirmei:
— Ele diz que se assustou ao ver tantos livros…
Retirei a queixa. Voltei a lembrar-me do meu jovem vizinho neonazi ao ler o comentário de Bolsonaro, expressando o receio de que, caso vença as eleições, Lula transformará os clubes de tiro em bibliotecas. Jair Bolsonaro revelou mais uma vez a sua perversa bibliofobia — ele gostaria de transformar todas as bibliotecas em clubes de tiro. Esta bizarra patologia explica a recente atribuição da medalha da Ordem do Mérito do Livro, atribuída pela Biblioteca Nacional, ao deputado Daniel Silveira e a outros notórios bibliófobos. Não há melhor forma de destruir uma instituição do que troçando dela.
Lembrei-me também das eleições de 2018, quando os eleitores de Fernando Haddad compareceram nas urnas com livros debaixo dos braços. Na época, esse protesto já tinha a ver com a promessa de Bolsonaro de flexibilizar a venda e o porte de armas. Infelizmente, não deu certo. Ainda assim, continuo a acreditar que os livros constituem o melhor exorcismo contra o totalitarismo e todos os seus agentes.
Talvez os eleitores de Haddad tenham escolhido os livros errados. Em vez de ensaios políticos ou de romances distópicos — “Como as democracias morrem” e “1984” foram os títulos mais utilizados —, deviam ter levado grossos volumes de poesia. A poesia, a boa poesia, é a estaca de madeira no coração da maldade.
Fonte: WhatsApp Grupo UBERN postado pela poeta Kalina Paiva
Minha luta - livros para o povo, pois "De pés no chão, também se aprende a ler - Djalma Maranhão"
Aprendi esse lema na infância e nas minhas memórias ficou também o registro de uma manhã ensolarada, quando caminhava em um lugar cheio de barro com familiares e lá longe, havia uma enorme palhoça de onde se ouvia o canto das crianças no be a bá das primeiras letras, foi o momento em que me deparei com a ESPERANÇA. Jamais a larguei.
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