segunda-feira, 2 de março de 2009

TEXTO DA SEGUNDA - EDIÇÃO CEFAS CARVALHO


CAPA DO CORDEL DE CEFAS CARVALHO COM LANÇAMENTO PARA O5/03 NA CASA DO CORDEL

Cara(o) amiga(o),



Passado o período carnavalesco este Texto da Segunda (junção de textos meus e alheios) volta à tona, bem na caixa de seu endereço eletrônico (conhecido como “imêio”). Nesta segunda, envio o seguinte:



1 – Crônica de minha autoria: “De aberrações e de (verdadeiros) monstros”. Segue em anexo foto de Raduan, citado no texto, o “homem verme”. Mais textos meus, como o recém-postado conto “O carnaval da minha dor”, em www.cefascarvalho.blogspot.com



2 – “Numa única linha de um bilhete esquecido”, belo texto de José Correia Torres Neto, que vem apresentando ótimos textos no seu blog www.potiguarando.blogspot.com



3 – “A tristeza é azul”, de Sheyla Azevedo. Mais textos dela em www.bichoesquisito.blogspot.com



Ah, um convite: no próximo dia 5, estarei lançando um cordel inédito: “As diferenças entre o homem farrista e o homem caseiro”. Na mesma ocasião, o poeta Abaeté, dono da Casa do Cordel, lançará “Patativa do Assaré”. Será na Casa do Cordel (rua Vigário Bartolomeu, centro de Natal) às 17h. Segue, a capa do cordel.



Um abraço e até a próxima segunda!



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De aberrações e de (verdadeiros) monstros



Cefas Carvalho



Todo cinéfilo tem uma gama de filmes que se tornam míticos de tanto que os tentamos assistir, que os procuramos, que tentamos baixá-los na internet, algumas vezes sem êxito. Na banca 7º Arte, no camelódromo do centro de Natal, encontrei totalmente por acaso um destes filmes: “Freaks”, o clássico de Tod Browning que nestas plagas tropicais ganhou o nome de “Monstros”. Nada mais errôneo. “Freaks” é um termo da língua inglesa que pode ser traduzido como “aberrações” e se refere principalmente a pessoas que são diferentes do que se chama “normal”: anões, malformados geneticamente etc. Existe inclusive uma ciência que estuda as deformações, a teratologia. Confesso que tenho um fascino por isso, e desde a adolescência coleciono informações e fotos de “freaks” (Não por acaso, “O homem elefante”, de David Lynch, foi desde os quinze anos um dos meus filmes preferidos. E Lynch é fascinado por teratologia). Bem, vamos ao filme: a trama é simples ao extremo e serve de mero pretexto para o diretor expor suas aberrações humanas na tela. Sim, os “freaks” do filme são reais. Nada de maquiagem ou efeitos especiais. O filme é de 1932, não nos esqueçamos. Não havia noções de politicamente correto no mundo e os circos com aberrações humanas eram sucesso e aceitáveis socialmente. Portanto, os “astros” do filme são anões, mulheres com microcefalia e “freaks” que fizeram história como Johnny Eck, o “homem torso”, cujo corpo terminava abaixo do umbigo; Olga, a famosa mulher barbada; e Raduan, o “homem verme”, que não tinha braços e pernas, mas ainda assim se locomovia, acendia sozinho seu cigarro (cena mostrada no filme), falava três línguas, se casou e teve filhos. Com este “elenco” recrutado nos circos, Browning fez seu filme na qual em um circo itinerante, uma ambiciosa trapezista se casa com um anão para herdar a fortuna dele e isso provoca problemas que levarão a um fim trágico. O filme foi combatido, proibido, cortado e posteriormente tido como preconceituoso e arcaico, posto que Browning teria feito o mesmo que os donos de circo: exposto os freaks como meras atrações para lidar com a morbidez e curiosidade dos espectadores. Mas, há quem discorde. Todos eles são tratados com carinho pelo roteiro e pela direção, e no frigir dos ovos o filme gera efeito similar ao causado por “O homem elefante”. Passada a estranheza inicial (inevitável, claro) nos sentimos à vontade com os freaks e logo percebemos que os monstros reais do filme são os “normais” Cleópatra (a trapezista) e o amante dela, o mau caráter Hércules. Assim como no filme de Lynch, o monstro do filme não é John Merrick, o homem elefante, mas sim o dono do circo que o explora e o agride. Na minha modesta opinião, “Freaks” acaba sendo um libelo contra o preconceito. Até mesmo na cena final, na vingança contra Cleópatra, os “freaks” são mostrados com dignidade, como gente que pode se defender e responder aos insultos e mau tratamento. Gosto de filmes que questionem os padrões pré-estabelecidos da sociedade, como o da beleza estética. Passada uma hora de filme você terá asco pela bela, alta e loira Cleopatra e terá vontade de bater papo com a anãzinha Frieda, com sua dignidade e tolerância. E perceberá que o “homem pela metade” Johnny Eck é mais alegre, educado e bom de se conviver que os outros “homens normais” do circo. Duvida? Assista o filme.





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Numa única linha de um bilhete esquecido
José Correia Torres Neto

Deixo você em plena madrugada, deitada, sozinha. Encosto devagar meus lábios estreitos em tua boca encarnada, sinto o teu cheiro de tempo. Cumpro a minha missão de te abandonar em silêncio, sem choro, sem lástima, nem sequer um adeus, um afago.
Levo apenas o pouco que me pertence e esse todo de mim. Deixo alguns escritos, duas parelhas de roupas velhas, uma sandália de dedo, um livro não lido e outro sem capa. Vou sair bem cedo pela porta da frente e ainda olharei por sobre os ombros quando me perder na primeira esquina. Passarei ainda nessa rua que não é larga, não é bela, apenas antiga.
Vou te deixar dormir para que eu não seja obrigado a levantar as mãos e prender a fala.
Tenho pressa de sair desse quarto de paredes brancas e buscar os braços que se abrem em minha frente. Tenho desejo de sentir o hálito quente, ainda secreto, de encostar no corpo que me deseja, no ventre que se alarga. Quero arrastar os meus pés na incerteza das minhas felicidades, na procura daquilo que nem eu mesmo sei o que é, na vontade de errar, acertar, voltar a errar e acertar ainda mais.

Na gaveta de cabeceira, ainda entreaberta, deixo alguns trocados que não cabem em meu bolso vazio. Deixo alguns rascunhos de minha vida para que você rasgue, queime e que não deixe sobras de arrependimento, enquanto vou com a roupa do corpo, meio suada, desejosa de coloridos diferentes e com a certeza de saber escolher os melhores caminhos, mesmo que ainda sejam os caminhos errados.

Adeus!



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A TRISTEZA É AZUL



Sheyla Azevedo



Sinto saudades da chuva. E do frio que chega na madrugada. Quando criança, preferia o desenho às letras. Adorava não poder ir brincar na rua porque estava chovendo. Então eu desenhava brincadeiras no papel. Meninos brincando com pipa, meninas brincando de pular corda, amarelinha. Coloria bastante que era para constrastar com o cinza da tarde. E colocava nuvens lá em cima dos telhados. Com a chuva escondida por detrás do arco-íris. Era minha forma de prever o tempo. Um tempo que só tinha portas abertas. E a minha avó, esperando no final da tarde para me fazer cachinhos no cabelo. Vovó e os seus cachinhos no meu cabelo. Quando ela terminava, balançava-os como se fosse um prêmio: Ei, vejam o que a minha avó me deu de presentes! Exibia orgulhosa.

Atualmente, se me sobram brechas, já me contento. Esses dias não tem chovido. E é na chuva onde minhas confissões mais escorrem. Até tento fazer um pacto com o sol. Mas, por mais que tente, faz frio dentro de mim. Não tem jeito. Tenho inclinações para ser feliz compartilhando. E triste do mesmo jeito.

A mãe de uma amiga morreu. O filho de uma outra também. Tudo nesse final de semana. A primeira, se vi muito foram duas, três vezes. O segundo, vi em fotografias. Mas, impossível não me compadecer com a dor do outro. Precisei me escorar nas lembranças. Imaginar quantas vezes eu as vi sorrindo, felizes, por uma banalidade qualquer, para que pudesse suportar a idéia de que a dor delas é grande e cabe uma vida inteira lá dentro.

Viver é estar eternamente em desconfiança do até quando.Talvez fosse diferente se já soubéssemos, se já nos dessem uma pista qualquer sobre o porvir. Mas não seria a mesma coisa. Ou fatalmente viveríamos ansiosos demais por terminar. Saberíamos exatamente que palavras usar para terminar um namoro, um noivado, um casamento. Mediríamos antes mesmo de exercitar o tamanho do amor que poderíamos sentir por aquela pessoa. Viveríamos o enjôo da gravidez meses antes da concepção; nos despediríamos desde o dia em que nascemos do pôr-do-sol e dos nossos avós. Mas, como não sabemos, vivemos ansiosos em como continuar mesmo com essa desconfiança toda.

Gosto da vida. Especialmente dos amigos que ela me trouxe. Dos bem-te-vi que cantam na minha janela. E da poesia que se esconde debaixo do meu travesseiro. Mas tenho limites: uma tristeza incurável nos olhos. Grandes, eles sempre tentaram entender mundo. Mas, sobram muitas dúvidas e, vezecuando, é inevitável chorar.

Palavras tristes fazem festa dentro de mim. Por isso, estou reequilibrando meu silêncio, para que elas não consumam todo o meu olhar.


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Cefas Carvalho

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